Não festejei a subida de Obama à presidência (e por acaso foi durante o seu
primeiro mandato que tive o privilégio de ser convidado pelo Departamento de
Estado - através da Embaixada em Angola - a visitar os EUA durante quase um
mês, com passagem em quatro estados, onde vivi uma semana cada). Não festejarei
agora a nomeação de Francisca Van-Dúnem a Ministra da Justiça em Portugal.
Em ambos os casos, não se festeja a competência, a aptidão, o mérito, os
direitos legalmente plasmados à cidadania, mas, sim, o facto de alegadamente se
transpor a barreira do racismo, na sua vertente mais primária, pois o negro
chegou ao poder, curiosamente cedido pela hegemonia branca. Em 40 anos de
democracia, que coincidem com os 40 anos da sua retirada de África, a nossa
república "irmã" europeia é mais ou menos parabenizada por
"reconhecer as outras comunidades" com as quais tem ligações
históricas.
Há várias nuances que se podem levantar, mas sou dos que acreditam que uma
tal leitura só pode ainda mais abrir precedentes para a promoção do "diferente"
engrossar o olho estratega do marketing eleitoral. A discriminação positiva
precisa de ter pilares consistentes.
Recordo a desilusão de um grupo de jovens intelectuais que viajou do Kénia
para saudar o "irmão", em Janeiro de 2010, tendo desperdiçado o seu
tempo e recursos com viagem e alojamento em Washington, sem conseguir o
pretendido. Nós, os do grupo do intercâmbio, porque estava programado e
interessava ao poder instituído, chegamos a visitar a sede do Departamento de
Estado, tendo ficado inviabilizado o nosso encontro com a Secretária Hillary
Clinton pela tragédia no Haiti, para onde se deslocou de emergência.
Mudou a situação da comunidade de origem não branca nos EUA,
comparativamente com a maioria que conforma a então "master-race"? Pelo
contrário, acabamos vendo o renascer de conflitos baseados na supremacia
racial/étnica, com o deplorável Ku Klux Klan, parece até que aumentaram os
casos de abate a indefesos não brancos por parte da polícia. Não sendo
naturalmente o mesmo quadro de exclusão violenta vivido em Portugal, não deixa
de fazer sentido a pergunta: Porque achamos que uma única ministra representa
este "Abracadabra" em Portugal? Um holofote ao académico será
representativo de outras vidas socialmente menos ouvidas?
Festejamos porque a nova Ministra da Justiça é negra, é Angolana de origem,
naturalizada portuguesa e lá residente há muitas décadas. Já agora, e se
Portugal desatasse a explodir em festa por cada vantagem que um seu nacional ou
descendente consegue em Angola e nas demais ex-colónias? E se Cabo-Verde
fizesse o mesmo com a vasta comunidade que tem em Angola,
"encaixada" nos mais estratégicos sectores nossos?
Sei que isso soa um tanto em contra-mão das euforias, mas sou por uma a
menos.
Gociante Patissa, Benguela, 28.11.2015
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Compreendo a sua posição, Gociante Patissa. Se eu estivesse no seu lugar, muito provavelmente reagiria da mesma forma. No entanto, vejamos.
Para o bem e para o mal, Portugal não é um país qualquer para os angolanos. É a antiga potência colonizadora, da qual os angolanos herdaram a língua e muitos costumes (quantos irão comer bacalhau na noite de Natal?), mas que, ao mesmo tempo, deixou uma marca terrivelmente sangrenta e muito profunda no espírito dos angolanos negros, depois de séculos de racismo, de humilhações sem fim e de opressão sob as mais diversas formas. É, por isso, compreensível que a nomeação de uma angolana negra para um alto cargo ministerial em Portugal seja entendida por alguns como uma vitória dos negros sobre os portugueses brancos racistas e colonialistas.
De certo modo, foi uma tal vitória. O anterior governo, liderado por Pedro Passos Coelho, integrou vários ministros e secretários de Estado que nasceram ou viveram nas antigas colónias. Eu ouvi dizer, mais do que uma vez, que esse governo era "o governo dos retornados". Ora a denominação "retornados" é dada, em Portugal, aos antigos colonos que retornaram à mãe-pátria por ocasião da independência das antigas colónias. Em Angola, dir-se-ia que o governo de Passos Coelho foi um "governo de filhos de colonos". Assim, por exemplo, o antigo primeiro-ministro viveu, ele mesmo, parte da sua infância no Huambo e a antecessora de Francisca van Dunem na pasta da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, nasceu em Luanda. Ao dizer-se que o anterior governo foi "o governo dos retornados", quis-se dizer que, atuando da forma como atuou, impondo uma austeridade a todo o vapor de modo implacável e sem considerações humanas de qualquer espécie, esse governo apenas refletiu o ressabiamento e o espírito de vingança dos antigos colonos contra Portugal (por este ter cedido às reivindicações dos povos das colónias e ter-lhes reconhecido a independência) e, sobretudo, por terem sido recebidos de modo frio e até hostil pelos portugueses em 1975.
Seria exagerado dizer que o novo governo chefiado por António Costa é, por seu lado, um "governo de colonizados", em oposição ao "governo de retornados" que substituiu. Afinal, só Francisca van Dunem e o próprio primeiro-ministro, que por parte do pai é de ascendência indiana (de Goa, na antiga Índia Portuguesa), é que poderão ser considerados colonizados ou filhos de colonizados. Mas mesmo assim há uma nítida diferença entre o novo governo e o anterior, que eu muito gostaria de ver refletido na prática da governação. Pessoalmente, eu apoio o novo governo, mas sem muito entusiasmo. Há alguns novos governantes que me merecem algumas reticências. Mas há vários outros que me parecem ter qualidades mais do que suficiente para fazerem um excelente trabalho. A nova ministra da Justiça, Francisca van Dunem, é um destes.
Concluo este comentário chamando a sua atenção para uma crónica publicada no passado dias 28 de novembro no jornal Diário de Notícias, de Lisboa, e assinada por Ferreira Fernandes: http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/ferreira-fernandes/interior/a-minha-amiga-e-negra-4906163.html. Eu não concordo com tudo o que está escrito na crónica, mas acho que é um belo testemunho.
Muito pertinentes o enquadramento e a remissão à crónica, amigo Fernando Ribeiro. Reiterados cumprimentos de Benguela.
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