Falar
do futuro do português, o considerado quinto idioma mais popular no mundo, é
evidentemente um assunto vasto. Enquanto recolector de tradição oral,
interessa-me olhar para a realidade angolana e abraçar a vertente sociolinguística,
visto o valor da língua como património cultural imaterial. A propósito, há quem
defenda a existência de um tal português angolano. Temos? Sobre isso
continuaremos mais adiante.
Não
havendo grandes estudos oficiais no que se refere a políticas linguísticas na
Angola independente, a partir dos quais teríamos indicadores para avaliar
eventuais êxitos ou desvios na sua aplicação, resta assumir que qualquer
exercício de previsibilidade do uso do português é ainda mais complexo. E já
sabemos que nem valem a pena incursões ao passado, conhecendo como conhecemos a
história da chegada da língua, que era até há bem pouco menos de 40 anos
instrumento de aniquilação identitária dos povos das então colónias
portuguesas, a coberto de uma tal expansão da civilização europeia.
Adoptado
o português como idioma oficial, que é inquestionavelmente a língua materna de
milhares de angolanos, a questão passa a ser a forma como esta dialoga com os
demais idiomas de matriz africana, entre Bantu e não Bantu, nomeadamente o cokwe,
fiote, helelo, khoisan, kikongo, kimbundu, ngangela, nhaneka-nkumbi, umbundu,
oxindonga, oxiwambo, e o vátwa. E se o leitor nos permite problematizar um
pouco sob o axioma de que cada língua veicula uma cultura, a questão seria: que
cultura veicula a língua portuguesa numa sociedade multi-étnica e linguística?
Bem, é em nome da cultura, que é por vocação um fruto da partilha, que teremos
de evitar radicalismos e complexos, sejam eles de inferioridade ou de
superioridade, pois as sociedades são dinâmicas e o fenómeno linguístico é
inerente à interação dos povos.
Quando
falamos do diálogo que deve existir entre as línguas, é tendo precisamente em
conta o cuidado necessário para que o status dado a uma língua, que geralmente
corresponde a determinado grupo social, não represente a subjugação de outros.
Em tempos, um notável intelectual desabafava pelo que interpretava como sendo
um sinal da subalternização institucional das nossas línguas nacionais. Não lhe
pareceria, pois, razoável a prática de haver sempre um tradutor para
estrangeiros que falem à imprensa ou ao parlamento e, entretanto, quando chega
a vez de anciãos e autoridades tradicionais, terem de o fazer num português em que
por vezes mal se expressam e compreendem, com todo o desconforto que isso
implica.
Como
defendeu em 2003 a brasileira Eveli Sengafredo, na tese de pós-graduação em
Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, “a língua constitui-se
das mesmas forças políticas, sociais e culturais que produziram as diversas
civilizações e culturas do mundo. Ela ocupa uma crucial posição na interacção
social, sendo um agente importantíssimo de transmissão de valores sociais e
culturais”.
Já
existe o português angolano? Há quem defenda que sim, mesmo até com base na
linguagem literária que incorpora cada vez mais termos e expressões tipicamente
do nosso linguajar, como por exemplo, “é maka grossa me apanhar a pata”. Mas
isto basta para legitimar a existência de uma variante angolana? Como
caracterizar a pronúncia padrão dos locutores noticiosos, o sotaque europeu? O
certo é que o português angolano não existe, tão-só porque não se estabeleceu
uma norma própria, oficial.
O
futuro do português, quanto a mim, passa por assumir de maneira integradora o
seu papel de língua oficial relativamente às outras de matriz africana.
Impõe-se um rigoroso trabalho de estudos linguísticos e antropológicos, de modo a valorizar a correcta grafia da toponímia e a essência proverbial dos nomes
africanos. Insistir-se na substituição forçosa do “K” pelo “C”, mesmo quando se
trata de algo tão representativo como o rio Kwanza ou a província do
Kwando-Kubango, pelo magro argumento das confusões por a língua oficial ser
avessa às consoantes “K, W, Y”, tão comuns nas línguas Bantu, só vai atrair
ainda mais recalcamentos. O português tem de dialogar!
Gociante
Patissa, Luanda 25 Junho 2014 (licenciado em linguística, especialidade de
inglês)
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