quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Opinião: "Ainda o meu sonho (I)"

Por: Inácio Gil Tomás (Professor de Geografia do Ensino Secundário e Técnico de Desenvolvimento Comunitário, Benguela)


A passagem de ano constitui norma geral, oportunidade para a realização de reflexões e/ou balanços, quer sejam pessoais ou colectivos sobre o desempenho de uma pessoa, família, ou instituição (pública ou privada), bem como serve para a definição de perspectivas, geralmente carregadas de elevado optimismo, seguindo o princípio de que “para o ano será melhor”. Esta prática é alargada à dimensão do País em função da dinâmica de desenvolvimento que se imprime.

Vivemos nestes dias com muita expectativa, pois uma série de eventos marcantes deverá ocorrer nos próximos dois ou três anos. Em 2012 estamos a viver a atmosfera do ambiente pré-eleitoral, que nos levará, dentro de dias, para o eleitoral e no dia 31 de Agosto todos os cidadãos angolanos serão chamados para exercer o direito de eleger e ser eleito para os cargos públicos, conforme consagrado na Constituição e legislação específica. Em 2013, de acordo com as previsões, realizar-se-à o Censo Geral da População, o primeiro desde a independência nacional, uma vez que o último foi feito em 1970. Em 2014 está prevista a realização das primeiras eleições autárquicas, que marcarão efectivamente a consolidação do funcionamento dos orgãos locais do poder local. Portanto são eventos que marcam profundamente a vida de qualquer cidadão e que podem determinar (para o bem ou para o mal) o rumo de desenvolvimento a ser seguido pelo País.

A relevância destes eventos reside no grau de influência sobre a vida de cada um de nós e sobre a do País de forma global. A realização das eleições gerais marca de facto o início da normalização do processo democrático com a segunda ida (consecutiva) às urnas. O Censo Geral da População permitirá saber quantos somos de facto, o que poderá contribuir para a elaboração e execução de políticas públicas assentes em dados demográficos reais, deixando para trás as estimativas. A realização de eleições municipais constituirá o passo importante para o alargamento da participação e engajamento do cidadão na vida pública e a dinamização de processos auto-sustentados de desenvolvimento. É verdade que cada um de nós, cidadãos angolanos anseia viver numa Angola melhor. Assim, o que vou expressar adiante é não só a minha expectativa e anseio em relação ao País de todos nós, mas acredito o de muitos cidadãos que pretendem ver “Angola um País bom para se viver”, o que nos faz sonhar. Por isso, ainda é o meu sonho ver Angola a crescer pelo que vou expor algumas ideias, que acredito, muitos alinharão e outros não.

Espero que na próxima legislatura um maior número de titulares de cargos públicos seja verdadeiros servidores e não se sirvam dos cargos públicos para benefício individual e que o processo de prestação de contas da Governação não seja feito apenas ao nível Central, mas também pelo Governo local, sem exclusão desde o Provincial, Municipal e Comunal.

Espero também que os diferentes espaços de participação instituídos tanto ao nível nacional como ao nível local, como o CONSAN (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), os CACS (Conselho de Auscultação e Concertação Social), Conselhos da Juventude (nacional, provincial, municipal e comunal) e outros espaços/fóruns sejam dinamizados e/ou reforçados contribuam para o desenvolvimento sustentável do nosso País.

Espero que um maior número de Organizações da Sociedade Civil cumpra com os processos de gestão democrática por meio da realização das suas assembleias gerais, renovação de mandatos dos seus órgãos sociais de acordo com os seus estatutos e exercitem a transparência com a publicação dos seus relatórios de actividades e de contas, de modo que se alarguem as referências e exemplos de boas práticas.


Ainda é o meu sonho ver os nossos legítimos representantes – os Deputados que iremos eleger – interagirem com o seu eleitorado auscultando e dialogando com aqueles que os elegeram e a apresentarem preocupações ou pontos de vista sustentados com evidências concretas, resultantes da maior interacção com o seu eleitorado. Espero que os Deputados sejam a voz do Povo. Espero que os Deputados dos Círculos Provinciais estejam disponíveis para receberem os cidadãos e que seja do conhecimento público o local de funcionamento dos seus Núcleos Provinciais e os respectivos horários de atendimento ao cidadão eleitor.

Ainda é o meu sonho ver aumentadas as liberdades dos cidadãos, de modo que o direito à manifestação seja respeitado tal como está constitucionalmente consagrado; a greve seja vista como um dos mecanismos disponíveis para o Trabalhador poder reivindicar a observância dos seus direitos, quando as opções de diáloga não produzam resultados positivos e não seja entendida como acção “reaccionária” dos inimigos da pátria. Espero que o maior número de cidadãos angolanos alargue as oportunidades de escolha de acesso à informação quer seja escrita, televisiva ou radiofónica. Espero também que o debate e troca de ideias se intensifique, ainda que contraditório, pois como aprendemos em filosofia “o novo é antagónico do velho” e o “contraditório gera desenvolvimento”.

Espero que na próxima legislatura o crescimento económico seja visível na mudança para melhor – das condições de vida dos cidadãos – através do aumento da renda, da redução do desemprego, da extensão do ensino secundário (sobretudo o 2º Ciclo) nos territórios em que a sua densidade demográfica o exija e que implementação de políticas públicas contribua para o estancamento do êxodo rural juvenil.

A agricultura merece uma atenção especial, de modo que se deixe de importar produtos que podem ser cultivados localmente. Não podemos continuar a consumir tomate, cebola, batata rena importados, para citar apenas estes. Para o efeito, além da agricultura empresarial, é de suma importância o apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar, que na prática é responsável pelo abastecimento de grande parte dos alimentos e não só, como ficou provada com a experiência de outras latitudes. Espero que a nossa agricultura não dependa apenas das chuvas, mas aproveite o grande potencial hídrico que possuímos, mas prescindindo dos “elefantes brancos” consumidores de elevadas somas monetárias e valorizando as pequenas unidades familiares.

Ainda é o meu sonho ver Angola com um sistema de educação de qualidade, capaz de formar quadros de reconhecida competência técnica e de elevado nível ético. Angola deve ter um sistema de saúde melhor que o actual, que não permita que as pessoas morram às portas dos hospitais e a exportação desnecessária e involuntária de capital em busca de ofertas de melhor qualidade como tem acontecido.

Espero que o património histórico-cultural do nosso País não seja destruído em nome da modernização, como aconteceu com os edifícios das Estações do Caminho de Ferro de Benguela, mas convivam o antigo e o novo para que as novas gerações as tenham como referências do nosso passado recente.  

Espero que na próxima legislatura as sessões de trabalho da Assembleia Nacional sejam transmitidas na íntegra e em directo pelos Órgãos Públicos de Comunicação Social de maior abrangência, como o são a TPA e a RNA. Um bom exemplo a seguir é a experiencia brasileira, que uniformiza a transmissão da propaganda partidária ou a transmissão dos discursos de Estado em todas as Emissoras de Televisão. Espero também que a imprensa comunitária escrita, mas, sobretudo radiofónica comece a ser implantada para se transformar num dos vectores de promoção do desenvolvimento do País, por meio da democratização do acesso à informação e ao conhecimento.

Espero que seja apresentado aos cidadãos e cidadãs Angolanos e Angolanas o balanço final da execução do Programa de Governo saído das eleições de 5 de Setembro de 2008.

Por fim, mas não por último, espero que aqueles que não ganharem as eleições não se atenham apenas ao fantasma da fraude, mas saibam reconhecer as suas fraquezas, respeitem a decisão de quem tem o poder soberano – o Povo Angolano – e saibam identificar os ganhos globais para o País.
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1 Deixe o seu comentário:

Manuel Luis disse...

Eu também espero que os futuros políticos, não se sirvam dos cargos públicos para benefício individual e que os governos locais sejam mais responsáveis. Durantes estes longos anos devem ter aprendido a governar. Acredito que temos grandes homens para governar esse imenso País.
Abraço

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