quarta-feira, 17 de abril de 2013

Nota solta: Quem dita o que se lê em Angola?


Voltei ao mercado “Kero” do Lobito no dia 16/04/13 para um breve olhar sobre o sector do livro, mais concretamente na componente de escrita criativa. Meu interesse foi olhar para os preços de capa e principalmente saber quais são as principais chancelas editoriais. Recordo que, numa nota recente, referi-me ao preço convidativo em dois livros com edição portuguesa, sendo 390 Kwanzas o de crónica (autor português), e 890 Kwanzas o romance (autor latino-americano), ambos com mais de cem páginas.

A presente indagação foi motivada pelo que ouvi de vários agentes, escritores e editores em Luanda, que lamentavam a resistência da parte de quem gere livrarias e mercados quando o assunto é a consignação de livros editados em Angola. Porque será? Para escritores, como eu, com pouco menos de seis anos de afirmação, trata-se de um fenómeno complexo, e qualquer opinião arrisca-se ao apriorismo. Não podendo, por questões logísticas, visitar as livrarias e mercados na capital, que alegadamente secundarizam o material nacional, continuei a observação na província de Benguela.

A presente reflexão assume que a qualidade gráfica é equiparada, dado o avanço tecnológico de tipografias que operam em Angola, e ainda considerando haver editoras que recorrem ao Brasil e Europa. Então onde está o problema? Preços? Não parece ser de todo isso determinante, já que a moda é entre mil a quatro mil Kwanzas.

No “Kero”, a Nzila é a única chancela nacional, que por sinal não é tão Angolana assim, depois que o sócio local vendeu as acções e o projecto se tornou apêndice do gigante grupo editorial português, Leya. Em uma hora a ler páginas de detalhes, constatei que o monopólio engloba as editoras Caminho, Casa das Letras, Texto Editores, ASA, Caderno e a Don Kixote. Minoria esmagadora recai para Estrela Polar e Porto Editora. No âmbito da Leya encontrei disponível um punhado de autores angolanos: Pepetela, Luandino Vieira, Luis Fernando, José E. Agualusa, e dois nomes que me escapam.

O que se passa no “Kero” não difere muito da realidade da maioria dos mercados e grandes livrarias do país. É inevitável estabelecer um paralelo entre os mercados literário e gastronómico, onde é cada vez mais trabalhoso achar a identidade do lugar na criação, numa clara agenda dedicada ao turista. Esse quadro não deixa de ser intrigante para quem ouve frequentes desabafos dos importadores, ora por causa de impostos, ora por causa de eventuais excessos de burocracia nas alfândegas.

Parece que passa a ser secundário, enquanto problema, o incipiente apoio que permitiria a subvenção do livro, já que até os poucos (aqui o pouco é em relação à média de livros por ano que saem em outros países) continuam encaixotados e sem saída. A distribuição é o verdadeiro calcanhar de Aquiles. E não colhe a justificação de que a nossa sociedade pouco lê, já que é à mesma sociedade que os livros importados são vendidos.

Que tal se as editoras angolanas fizessem chegar a cada uma das dezoito províncias pelo menos cinquenta exemplares de cada título? Contas redondas, teríamos nessa ordem de ideias novecentos exemplares a circularem pelo país. Não era altura de os livreiros angolanos reavaliarem o intercâmbio com similares além-fronteiras e aprimorar estratégias de divulgação subsequentes à primeira sessão de lançamento e autógrafos?

Gociante Patissa, Aeroporto Internacional da Catumbela 17 de Abril de 2013
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