Quando
me consegui livrar do turno, delegando tarefas ao pessoal à disposição, estava
a uma hora da entrevista em directo no programa da Lena Sebastião, Rádio
Benguela.
Tinha
feito trinta quilómetros ao volante entre uma cidade vizinha e a casa, o mesmo
trajecto que uso para relaxar, neste gozo que é conduzir, sozinho, ouvindo o
que apetece e no volume que a alma entende. Mas a fórmula estava fora de
hipótese nesse exacto dia. Sim, porque, por uma causa bem justificável embora
não seja para aqui chamada, eu tinha passado a noite de sexta para sábado no assento
do motorista, onde aliás me foi servido o jantar, tão-só na principal avenida
do centro do Lobito.
Nesta
época do ano, o litoral é quente e húmido, o que em nada alivia o stress; daí depositar
esperanças na terapia do chuveiro. Posto em casa, nada de água na torneira,
banho frustrado! É que, como raramente a água falha, perdi o hábito de ter
reserva. Dei meia-volta em direcção ao Largo de África para tirar a poeira do
carro. Apenas um “limpador” se encontrava em serviço, engajado já em outra
empreitada. Não era prudente esperar pela nossa vez, dada a natureza
gasosa do tempo em rádio.
Música
alta vinha do jardim. O dístico falava em feira do livro, quando só se viam uma
tenda com livros, uma com produtos de alfaiataria e outra com artesanato. Bem,
como não há meio-buraco, uma feira é feira a partir da sua intenção, deduzi.
Por puro hábito, fiz algumas fotografias. Saudei duas pessoas conhecidas ali e
retirei-me.
Um
quarto para 16h00. Caminhava, apressado, para o carro, tão contra que sou
relativamente ao atraso de convidados quando faço rádio. Para piorar, um
adolescente vinha a correr em minha direcção. Inferi logo que alguém me havia
referido a ele. «Desculpa, quanto tempo leva para escrever um livro?», questionou-me,
humilde e sonhador, como se eu tivesse autoridade alguma. Numa cuidadosa
selecção de palavras, tirei a coisa da esfera da contabilidade para focar na
maturidade. O importante é o exercício permanente de ler e escrever, e não já
criar a pensar no livro ou no disco.
«Para
mim, que tenho dificuldade na escrita, tem que ser disco, não?» Bem, eu sou
mais inclinado para o livro do que para o CD de poesia. Mas é assim: a escrita
é combinar a criatividade com o domínio da ferramenta de trabalho, a língua. Tens
dificuldades de escrita, como? «A trombose que me fez assim - indicava a sequela
do seu lado esquerdo - prejudicou o cérebro». Anda na 6ª classe do ensino
especial e já reprovou duas vezes. Minhas emoções misturavam-se, tendo em conta
a empatia e a crise de tempo.
Mas
se não consegues ler nem escrever, como identificas a poesia? «Eu me inspiro em
tudo, numa festa, jogo de futebol, num filme; tudo o que vejo posso transformar
em arte, só que não consigo escrever. Por isso, penso no disco». Neste caso, a
gravação pode ser uma técnica de evitar dispersão, para mais tarde, com ajuda
de alguém, cuidar da correcção. Se decidires ficar pelo CD de poesia, tudo bem,
desde que seja um trabalho com maturidade. De contrário, o mercado literário
pode anular o teu esforço.
Devo-lhe
ter confundido ainda mais, mas não sei falar ao contrário do que penso.
Gociante
Patissa, Lobito 15 de Abril de 2013.
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