A edição desta semana do programa “60 minutos”, da televisão americana CBS e que nos chega pela TPA, teve um bloco sobre a SIDA no Uganda. Naquele país africano, os índices de novos casos de infecção por VIH sobem consideravelmente. O fenómeno é associado ao aumento da noção de que “a SIDA já não mata”, na medida em que existe terapia para atenuar o efeito das doenças a ela associadas. A solução, realçava o narrador, passou a ser o próprio problema.
Vários casais aparecem, aparentemente, e aqui sublinho o aparentemente, prontos a partilharem com a televisão o momento de abertura do resultado dos testes médicos, num cenário preparado para o efeito. A primeira ilação que se podia tirar, para quem alguma vez se engajou em acções do género, era de que a campanha de sensibilização colhia resultados positivos. Não havendo ainda vacina, a informação é a mais potente arma, o que passa pela sensibilização. É certo que os testes médicos são, na sua essência, objecto de sigilo entre o paciente e o profissional. Portanto, se os casais ainda anuíram para que o momento fosse filmado, estava-se muito mais do que num encorajador caminho. É bom lembrar que os testemunhos e exemplos são relevantes na promoção da mudança positiva de mentalidades.
Estariam preparados para o resultado do teste? Teriam transposto as suas comunidades a barreira do estigma e discriminação? A mais eloquente resposta veio das lágrimas de inconformismo de uma senhora, ao saber que vivia com o vírus da SIDA, independentemente de não apresentar sintomas. A mais dramática reacção foi de um cidadão que anunciava o fim da relação, pois a companheira era VIH positiva e ele negativo. Num tom de clara culpabilização, ele dizia sentir-se inseguro e com medo de partilhar a cama. Coitada da mulher, que mal conseguia pronunciar uma única palavra em Inglês, e como tal incapaz de se defender. Como seria o dia seguinte daquelas pessoas transtornadas pelo impacto da condição serológica já exposta ao mundo, a reportagem não disse, podia muito bem não estar previsto. Longe de reduzirmos o crivo da maturidade e ética da CBS (e seus respectivos “retalhistas”) a este incidente, não deixa de ser intrigante. O que terá motivado os casais a exporem sua intimidade, quando podiam optar pelo sigilo? Será que esperavam apenas por testes negativos?
O contributo da comunicação social na promoção da saúde pública é inquestionável, pelo que estamos à vontade em partilhar o axioma de que, na realidade angolana, a resistência ao uso da camisinha é cada vez menor e bom indicador da redução dos tabus. Quanto à aceitação do seropositivo na família, é um longo desafio. Pessoas vivendo com o VIH assumem cada vez mais a sua condição serológica, mormente através da media. Não sendo obra do acaso, tal é também resultado do processo de combate ao estigma, que inclui aparição pública e depoimentos. O símbolo da seroprevalência em Angola, Maria Geovety de Brito “Soraya” (na foto), morreu de tuberculose associada ao VIH/Sida, a 31/07/2007, no Hospital Sanatório de Luanda. Sem margem para dúvidas, Soraya foi pioneira por ter “arriscado” a cara através do programa “Nação coragem” da Televisão Pública de Angola (TPA).
De facto, a comunicação social deve engrossar as sinergias na luta contra SIDA e doenças derivadas (entre elas a ignorância), com trabalhos de seguimento, sob pena de ser acusada de aproveitamento da dor do próximo em prol do instinto mediático da busca da audiência.
Gociante Patissa, Benguela 7 Janeiro 2011
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