Falar de avarias num carro velho é pleonasmo. Mas o coração gosta de se iludir e festeja cada regresso das mãos mecânico. Anteontem recebi o meu, que entendeu avariar dois dias após o natal.
No domingo voltava do Lobito, por volta das 8h30 da manhã, quando um agente regulador de trânsito mandou parar na zona da Damba-Maria (ou 27). Podia dizer que isso foi ontem, só que assim passaria despercebida a missão, que foi a de pegar quatro irmãos para a instalação eléctrica na obra. Ser interceptado não era bem o que esperava, não que fosse pela pressa, mas pela noção do ponto fraco: a falta de triângulo e um verbete há 15 dias carecendo de renovação.
Bom dia, como esta? Saúda-me o agente, 24 anos aparentemente. Eu, muito pacato, bom dia, senhor agente, como está? Ele acena, com aquela vaidade típica de jovens que acabaram de entrar para a polícia. Faculta-me a documentação do carro. Tem a carta de condução ali? Sim, claro!, respondo, um tanto atrapalhado para localizar a pasta com os papéis. O senhor conhece o número da sua carta? A pergunta é tão-somente inesperada. Diga? O número da sua carta, pode-me dizer? Não, senhor agente, confesso que nunca me preocupei em memorizar o número, é como o do BI. Em que escola o senhor passou? X, respondi-lhe. Em que ano? 2008. Qual a sua data de nascimento? Setembro de 78, digo erradamente, ao que meu kota corrige, Dezembro de 78. E quando expira a carta? 2013, digo, curto, evitando dar margens para mais complicações. Expira no dia do seu aniversário! Olha, senhor, diz-me ele com movimentos de maestro, é importante saber isso! E eu, obrigado.
Ele dá uma volta de 360º ao carro e manda: pisa no travão! Pisa outra vez! Liga o limpa-pára brizas! Outra vez! Neste instante, inspecciona o verbete e se choca. Sabe há quanto tempo está expirado? Sei sim, há 16 dias. O carro esteve no mecânico até ontem, pode-se mesmo ver pela sujidade. Sabe o que devia ter feito? Procurar imediatamente a polícia para a renovação. Concordo, senhor agente, mas ontem foi sábado. Como disse, o carro esteve na oficina. Neste caso, devia parquear até regularizar. Olha que isso pode dar até apreensão do veículo. Sorrio, claramente rendido à razão do agente. Pronto, pode seguir! E eu, bom trabalho senhor agente. Ele acena. Está aqui um livro meu, é uma oferta. Diga? E acrescento, de vez em quando sou escritor e quero oferecer um livro meu.
No dia de “baixa”, o motor foi abaixo por aí umas cinco vezes no mesmo trajecto de 35 km entre Lobito e Benguela, talvez a semana em que um veículo mais usou o triângulo. Saído a voar de uma dessas paragens forçadas, só muito mais tarde me lembrei de não ter recolhido o maldito triângulo. Resta agora esperar pelo salário, que vai também cobrir a taxa de circulação. Essa explicação seria para o agente, se este não perdesse tanto tempo com “extravagâncias e detalhes” a respeito da carta de condução. No fim de contas, para o meu lado, claro, foi melhor assim.
Gociante Patissa, 17 Janeiro 2011
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