A valorização das danças bantu e pré-bantu passa por uma
investigação mais profunda do actual património imaterial, defendeu, ontem, em
Benguela, o académico Gociante Patissa, para quem é fundamental enaltecer a
profundidade identitária destas.
Actualmente, criticou, os jovens criadores se têm limitado a criar
grupos da cidade, que replicam algumas das danças do interior da província em
eventos festivos, inaugurações ou no Carnaval. “A questão da dança e da cultura
popular, como tal, demanda políticas de Estado, no sentido não só da recolha
mas também da compreensão antropológica da maioria destas”, defendeu.
Para o académico, é importante valorizar o mosaico etnolinguístico
nacional, considerando como tal todas as sensibilidades culturais. “Temos de
saber entre os Khoisans, por exemplo, quais são as manifestações culturais mais
usadas em certos actos, como forma de evitar o desaparecimento de uma parte
fundamental do vasto mosaico cultural angolano”, apelou.
Outro exemplo apontado por Gociante Patissa são os vahanya, povos que
habitam a região de Catengue até Chongorói, incluindo o Cubal, Caimbambo e
parte da Ganda, cujas danças de maior relevo são vistas em certas ocasiões,
como no ritual de circuncisão, no nascimento de gémeos, ou quando evocam os
deuses para que chova. “O essencial agora é estudar, a partir da raiz, com
os anciãos que ainda existem, as aspirações e provérbios subjacentes à maioria
destas danças”.
Iniciativas como o Festival Nacional de Cultura (Fenacult) precisam de
ser mais valorizadas, para o académico, assim como considera importante a
criação de políticas de incentivo, tipo bolsas de investigação cultural, aos
pesquisadores residentes, de forma que estes estudem os instrumentos, as
coreografias e os ensinem no sistema de ensino e as novas gerações possam se
identificar com outras formas de cultura, “não apenas a de massas, como o
kuduro, ou a kizomba”.
“As danças, no contexto matricial, não se dissociam da forma de ser
e de estar de um todo. O risco que se corre não investindo na investigação para
estudar a História e o contributo da dança na preservação de valores e até nos
processos de libertação pode ter consequências internacionais no futuro”,
frisou, apontando como exemplo deste fenómeno de usurpação a capoeira, que hoje
é universal sob a bandeira brasileira, “quando afinal é originária de Angola
e levado a outros países pelo tráfico de escravos”.
Variedades
A província de Benguela, contou Gociante Patissa, tem uma variedade de
danças folclóricas locais, dentre as quais o destaque vai para olundongo,
onyaco, ocipwete e ukongo. Muitas delas, disse, acabam por ser pouco
valorizadas. “É no campo da dança que as políticas culturais menos têm
conseguido acertar, mantendo sobre elas um olhar de meras manifestações de
animação de eventos, como no passado, na visão exótica colonial”, lamentou.
Atento ao fenómeno cultural, Gociante Patissa adiantou que as danças
folclóricas representam um conjunto de actos sociais, peculiares de cada região
e em Benguela era usada em antigos rituais mágicos e religiosos. “As danças
consideradas folclóricas, um conceito discutível e para muitos académicos
pejorativo, em virtude de estabelecer uma linha divisória entre o que é moderno
(e oficializado) e o que é popular (no sentido de antiquado), representam na
verdade uma f o r m a d e e x p r e s s ã o e conexão espiritual de muitas
sociedades africanas com os antepassados, a natureza e a projecção do universo”,
explicou.
Anos 80
Para o narrador cultural Manuel Matias, a dança em Benguela atingiu o
expoente máximo nos anos 80, com o surgimento de vários grupos e estilos, como
tchipuete, ekoia, lundungo, sendeka, buluganga e chilombonde. Na altura,
contou, havia palcos, também, para as músicas europeias e americanas. “Naquela
época, com interesse de massificar e preservar a arte da dança, a direcção da
Cultura da província muito apoiou e acompanhou os grupos, capacitando-os por
via do trabalho de alguns activistas e dinamizadores da dança”, destacou.
Gigante
Entre os grupos de grande referência da província, os Bismas das
Acácias são um dos gigantes locais adormecidos, que já efectuou digressões pela
África e Europa, onde mostrou a grandeza do folclore nacional. Com um vasto
repertório demonstraram, pelo talento e técnica de actuação ritmada com
cânticos folclóricos, o valor da cultura angolana. Com a Covid-19, as exibições
do grupo ficaram muito restritas, assim como dos 121 grupos de danças
folclóricas e 33 modernos registados na província.
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