domingo, 1 de outubro de 2017

Crónica | O quinto amor

Foto sem identificação de autor
Saltou do banco corrido de idosa madeira em que andava estendido em posição cadavérica com uma gargalhada de não coincidir com nada mais próximo. Caía a noite, longa noite de pós-enterro. O Mateus, neto de Gociante Kapiñãlã, este, desistira dos seus trinta e quatro anos. Já não está entre nós. Reitera, tautóloga e afónica, a velha Flora. Calma, mãe, que isto há-de ser mentira. O breu segue o seu segundo dia de eficácia no subúrbio, três geradores domésticos bons de bufar, fala-se em vela gasta. Enquanto isso, nos céus, clarões e explosões anunciam obesas gotas sobre o salgado chão. Vai ser chuva. E a chuva do Lobito que gosta de aparecer nos noticiários. Lá o homem continuou na sua alegria, mais ou menos incontida, decidido a contagiar em tal toada os demais, na sua maioria mulheres que, não obstante tomarem por inconveniente o estado de alma do homenzinho, eram afinal as responsáveis, ou não tivesse passado por mãos prendadas destas o agente excitador. O feijão. Eu amo muito o feijão. Assim anunciou ele, não cabendo em si de contente, no momento em que entregava o prato para se lhe ser aviado. Mais que a cunhada?! Retorquiu uma voz da copa. Muito mais. A mulher, para mim, é o quinto amor. O silêncio não podia ser mais reprovador. Esperem, eu vou explicar. Assim, então, ao invés de casar a filha alheia, uma vez que amas mais o feijão, não faria mais sentido ficares com só com um hectare? Não! É assim: primeiro, amo o feijão. Depois amo o jogo; porque eu não vou fazer que o meu Primeiro de Agosto ou Real está a jogar, e a mulher fica a me chatear para lhe prestar atenção… Xê, oh coisa, se põe no teu lugar! Bom, em terceiro, amo o rio, porque gosto muito de beber água. Quarto, amo o ar, porque é preciso respirar. Depois já é que vem a mulher. As senhoras da copa, generosas em calibrar aquele feijão de fundo queimado típico de panelonas de óbito, não podendo, por pudor imposto pela cultura, verbalizar o mais fácil de especular, mantiveram uma abstenção, certamente a muito custo. Já eu, ora pois, até agora vou, na minha cabeça, a contabilizado sobre a testa do emissor o número de suplentes que lhe fazem a vez em cada ciclo do quinto amor. Talvez um vizinho a concorrer com o feijão, outro com o futebol, um terceiro com o rio (por que não um colega na vez do oxigénio?) Enfim… Viva o feijão.
Gociante Patissa | Lobito, 30 Setembro 2017 | www.angodebates.blogspot.com
Share:

0 Deixe o seu comentário:

A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

Publicações arquivadas