Que lição irá a RNA tirar da sua própria inovação no Top dos Mais Queridos 2021, num ano em que a final contou com um representante de cada província? Pela lógica da base de apoio popular, ganhou o Huambo com um grupo desconhecido de todo, com uma proposta manifestamente arrojada nos acabamentos, o que indica as condições desenrascadas em que músicos não levados ao colo pelas "labels" trabalham. Crise no Lar, tema dos Picantes, arrebatou os 2 milhões de Kwanzas de troféu principal, batendo na concorrência a "hegemonia" Paulo Flores e Yuri da Cunha, cujo tema, Njila yadikanga, está a um patamar de longe superior esteticamente e no que respeita aos arranjos. Em terceiro lugar ficou Tiviné, representando a província de Benguela (trata-se na verdade de um músico da vizinha província do Kwanza Sul que há mais de duas décadas "aportou" Benguela, onde se revelaria pelo carisma e talento enquanto integrante do Quinteto Ndjando, também na vertente da recolha e adaptação do cancioneiro). Quem conhece minimamente a dinâmica cultural e o sentimento de pertença e identidade não estranhará esse feito que bafejou o planalto central. O povo votou em massa porque conhece e se identifica, conhece porque se divulga localmente, ou seja, a província adoptou como causa de todos a participação do grupo local no concurso nacional. É que no Huambo, o que julgo estender-se ao Bié, valorizam-se e se promovem as manifestações de produção local. É o contrário por exemplo daquilo que se vê na província de Benguela, onde no campo musical o produto local é tratado como marginal, relegado para programas "temáticos", dedicando a maior parte da emissão ao mainstream, com a luandização costumeira por meio do semba (e da língua kimbundu cuja mensagem praticamente ninguém percebe, só contam o ritmo/harmonia) e do kuduro, com tudo de bom e de trágico que a subcultura carrega de boçal, salvaguardadas as virtudes cada vez mais escassas na dança/música electrónica. A mim faz mesmo muita confusão estar em Benguela, uma localidade com dez municípios e um sem fim de variantes etnolinguísticas e quando se sintoniza a rádio, é como se a pessoa estivesse em Luanda. E não é que os músicos locais não se esforcem em investir os parcos recursos para criarem. Pôr a tocar na rádio da localidade em que vivem é que é o problema. Chegam a dizer, já entristecidos, que por vezes a música tem de ganhar notoriedade fora para que localmente seja acolhida. E não é um fenómeno que só afecte as rádios do estado, as privadas também. Quando se promovem actividades, lá a música local toca, mas logo a seguir... Convém que não sejamos mal interpretados como se estivéssemos a combater o carácter cosmopolita, não é isso. É que o semba, que convém vender como bandeira nacional, pode afinal não dizer nada a muitos povos que formam a malha da diversidade cultural do país que somos, independente de ser uma riqueza muito cara ao norte ou representar o substrato da elite pós-independência e ter jogado um papel relevante na luta anti-colonial. Enfim, a pergunta de retórica é: de que adianta essa experiência da representatividade das 18 províncias e a inerente diversidade cultural na esteira do Top dos Mais Queridos, se ao longo do ano a discografia é deixada à mercê dos gostos dos DJ's e operadores de som, muitos deles, infelizmente, com pouca consistência em matéria de cultura musical?
segunda-feira, 18 de outubro de 2021
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O que muda na Rádio Nacional de Angola após o Top dos Mais Queridos?
Gociante Patissa | Benguela 18 Outubro 2021 | www.angodebates.blogspot.com
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