Agora há pouco vi uma matéria no telejornal que denunciava a pilhagem perpetrada por dois enfatados do INSS (Instituto Nacional de Segurança Social) que do alto da sua criatividade substituíam o Iban dos pensionistas pelos seus, apropriando-se indevidamente de um total de 12 milhões de kwanzas. É uma roubalheira que, garanto eu, só se modernizou, somando-se ao mau atendimento a que viúvos, reformados e antigos combatentes estão sujeitos.
Em 2002, seis meses passados mais ou menos sobre o falecimento do meu pai, passei a pressionar a Segurança Social em Benguela para os subsídios de morte e de sobrevivência a que a viúva, minha mãe, e os menores tinham direito. Mas a coisa nunca mais avançava, ora porque o chefe não estava, ora porque havia muitos documentos duvidosos por aqueles dias e a declaração de serviço, lavrada pela Administração do município da Baía Farta, levava por tabela.
Cansado e por julgar que tínhamos o direito de esperar um exemplo diferentes daqueles que um dia foram superiores do finado no quadro administrativo e na hierarquia partidária, pedi emprestado um computador no escritório da Omunga ao Zétó e elaborei uma musculosa exposição de três páginas dirigida ao então Secretário Provincial do Partido MPLA, que governa o país, Zeca Moreno. Lembrei-lhes que se aproximava a quadra-festiva, altura em que muito mais falta ainda faria a figura do mesmo pai com quem durante anos dividimos com as missões de pátria. Dois dias depois convocaram-me para audiência a informar que o assunto estava resolvido e que devia levar a mãe. Por pirraça respondi que a mãe era camponesa e não tinha tempo nesse dia. Mas o Secretário Provincial fora prestativo e deu solução, o que me transmitiu na audiência que me concedeu. A partir dali, a mãe recebu um cartão que a habilitava à migalha na ordem dos 3 mil kwanzas/mês, equivalentes a 30 USD.
Corria a coisa bem até que um dia, por azar, a velha perdeu o cartão e o BI no recinto do BPC (Banco de Poupança e Crédito) da Fronteira. Aí a coisa complicou-se um pouco, de sorte que tomei a liberdade de certa vez confirmar os relatos desumanos da burocracia. Não fiquei mais de meia-hora no local para atingir o pico da indignação ante a desconsideração de que eram alvos os clientes. Fitei com ira os olhos do compatriota, não-lhe admitia dirigr-se à minha mãe como pedinte. Aí ela disse: filho, esse senhor é o que nos é mais atencioso. Senti-me culpado, a minha mãe estava melhor na sua lavrinha a ter de se submeter ao capricho de cidadãos nossos que se julgam deuses por conta do micropoder em nome do estado, quanto mais não seja porque a minha família tem a sua pedra no processo de construção do que veio a ser Angola independente.
Passado algum tempo, descobrimos que algum infeliz andava a levantar o dinheiro da minha mãe, usando assinatura ilegível. Quando fui reclamar, nem o INSS nem o BPC conseguiam responder, já que se fosse procuração, tinham de assinar com letra legível e não rúbrica. Portanto, o roubo tinha de ter sido articulado entre um infeliz do BPC e outro da Segurança Social. Fiquei nessa dança. Então, um amigo aconselhou a solicitar patrocínio de um advogado de renome, que encerra em si um misto de incompetente e mau carácter, pois ao fim de três meses dizia que não tinha feito nada e que não faria. Na altura o desfalque andava na ordem dos dois meses.
E assim o problema continou até à data da partida da minha mãe. Tão indignado a situação me deixou que nunca mais quis saber da pensão, nem se os ladrões continuam a receber indevidamente em nome da minha mãe. Acredito que o meu pai não deu pela pátria a vida para passarmos por isso. Acredito na lei do retorno como acredito nos valores de pátria (confesso-me idealista) e acredito na existência de servidores honestos e éticos. "Et voila", este é o meu trauma com o BPC e o INSS.
Daniel Gociante Patissa | 21 Outubro 2021 | www.angodebates.blogspot.com
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