Atravessa-me recorrentemente desde jovem a contradição existencial de quem ama esse País chamado Angola e continuará a honrá-lo, quer pela própria cabeça, quer pelo legado de sacrifício consentido pela família desde as décadas do nacionalismo... mas que em sentido oposto, se revê cada vez menos no rumo que a sociedade toma no campo da alteridade e ante a inversão gritante de valores elementares de convivência.
Não liguem, podem ser só dizeres de sono mal dormido de inquilino de uma certa rua cedida à poluição sonora de prostitutas (usaria termo mais bonito noutro contexto) que usam da boçalidade, da embriaguez e brigas entre si como mecanismo de se manterem acordadas no seu comércio que se instala ao cair da tarde. Não saberei dizer que sejam as mesmas todos os dias, não varia é o lugar. E a vizinhança, qual avestruz, escuda-se na barreira de som da vidraça das janelas, com isso o não-assunto prospera.
As barulhentas, socialmente invisíveis e talvez por isso inimputáveis, somem antes de lhes nascer o sol no luzir das ancas ao léu. São só umas putas coitadas que até vêm de longe, não hão-de prejudicar ninguém com noites mal dormidas derivadas do tão alto que falam e pregam na parada. Não sendo tudo más insónias, certa vez já ébrias e nostálgicas, marcava o telemóvel duas da manhã menos um quarto, elevaram a noite com coral em impecável harmonia, tenores, sopranos e contraltos, mãos dadas em arco animadíssimo em uma das línguas nacionais: na poltrona da glória celestial hei-de me sentar um dia / sim/ hei-de me sentar.
Por essas e por outras cuidei de transmitir em conversa com jovens leitores a minha resignação. Definitivamente a minha geração fracassou, não há mudança que se vislumbre para breve. Um giro simples pela cidade, no rol de murros no estômago está ao virar da esquina um qualquer de nós com o instrumento de urinar à mão, perdoado pela ausência de WC públicos que só a encarnação seguinte trará.
Esta sociedade da qual sou parte do problema, impotente em sonhar soluções, esta sociedade da ganância, da falência do bom-senso e da razoabilidade, chega a ser um desterro que nem eu próprio recomendaria para legado. Favor acordar-me logo que atingido o fundo do poço.
Gociante Patissa, Lunda, 10 Outubro 2021 | www.angodebates.blogspot.com
0 Deixe o seu comentário:
Enviar um comentário