No
bairro em que me fiz homem, os homens, os mais jovens, os intermédios e os de
meia-idade, eram muito dados a festas. Isolando aqui as de aniversário, mais
intimistas, ressalto as dos grupos organizados. Várias por ano. O réveillon era
o apogeu em princípios da década de 2000 no bairro da Santa Cruz, Lobito. As festas,
cada igual à sua antecessora, terminavam da mesma forma. Com pedradas. Umas mais
a dar mais para o verbal, outras no entanto físicas mesmo, feridas e tudo. Testemunhei
muitas delas como fotógrafo, mas não só. Contavam-se aos dedos de uma mão – se caso
as houvesse – aquelas que terminavam tal começassem, felizes. Era como se o guionista
de todas elas fosse um só. Seguia-se a próxima estação do ciclo, o mesmo
entusiasmo de campanha, a mesma socialização, mas, também, o fim já previsível.
Brigas. Talvez por isso não tenha recebido com o júbilo esperado por parte do especialista
que a idealizou, falo da associação das eleições angolanas com festa, no caso
a «festa da democracia». O povo eleitor, este, não pôde mais do que papagaiar o
slogan, mesmo aqueles que abominam a implicação semiológica do termo (quando
não descambam pelas bebedices, as festas costumam pulverizar decibéis da
poluição sonora). E saímos de casa sem traumas, provavelmente convencidos que, uma
vez ocorrendo à luz do dia, seria uma matiné, do tipo sunset, inofensiva até
para crianças. Votamos, pois. Serenos. Cidadãos, pacíficos e pacifistas. E depois?
Volvidas pouco menos de duas semanas, vivemos dias que aconselham aquele «cala-te ou fala algo que valha mais do
que o silêncio». Prudência parece ser o conceito mais transversal neste quadro.
Mas é um silêncio que me vejo forçado a romper por imperativos de consciência,
sob pena de hipotecar a voz. Sou um simples escritor sem pretensão alguma de
distribuir sermões académicos, como nos habituaram os nossos prendados sofistas,
legitimados pelo quilate de seus diplomas. Até porque em matéria de realização neste
campo, define-me melhor o que não consegui ser. Na crónica que escrevi aqui
no Blog
Angodebates no passado mês de Março, confessei logo no título como «Não gosto
de eleições». O parágrafo de abertura dizia o
seguinte: «E chega aquela fase de usar camisinha
nas palavras. Já vamos na quarta. Assim manda a democracia, sistema de governo
que, entre nós, tende a captar holofotes pela tendência de se embrutecer na sua
faceta dos ciclos eleitorais, pondo em risco importantes conquistas da
coabitação e do próprio exercício da cidadania». E acresci: «Francamente não gosto eu é do pico do
processo que leva às urnas, em função da agitação social, nem sempre saudável e
de sequelas indeléveis. Se em política tudo (parece que) vale, sou entretanto
adepto de que qualquer que seja o sistema vale muito mais pelo quanto aproxima
do que divide famílias. (…) No final do dia era suposto tornarmos às nossas
casas em paz. Adversários, mas juntos por um ideário maior: Angola». Ora, desenha-se
para dentro de cinco anos a incontornável realização de mais uma «festa da
democracia» quando ainda não sabemos como vai terminar o novelo presente. Fica claro
que tudo se resume à disputa… afinal. Para haver festa, precisaríamos de
estar irmanados num mesmo lado. É o contrário. De um lado os que tudo acusam, do outro os que tudo negam. E
a cada dia, vamos para a cama sem
fazer ideia da conferência de imprensa que nos vai acordar, qual delas a mais atlética.
Bem ao ritmo da onda, vai renascendo a cluster de «experts» sobre Angola na media
mundial, sem falar das peças negativas nas grandes agências noticiosas. Oh, prezados
mais-velhos da classe política, onde andará a bússola do entendimento? E nisto a
nossa história tem algo a dizer: quando aumenta o número de sábios lá fora, é
porque está a faltar sabedoria cá dentro. Ainda era só isso. Obrigado.
segunda-feira, 4 de setembro de 2017
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