Vivera duas décadas e um pouco mais tentando, aspirando, a ponto de não poucas vezes arrancar a porta para ensaiá-la jangada. Um lago, vasto, insidioso, quase intransponível, estendia-se do milímetro a seguir à sua porta em diante. Morava do outro lado do lago a resposta, visível até demais para a alma, que, como bem sabemos, raramente se engana. Foi-se assim aguentando, muitas vezes resistindo à ideia de fechar os olhos, com receio mesmo do reincidente sonho. Sem dar por isso, numa noite de um dia vulgar, foi ter à sua porta um barco à vela, que tinha o defeito de só cumprir uma rota. Menos mal, pois era a mesma rota pintada a punho indelével pela sua vontade. Há músculos suficientes para remar, sem falar dos ventos a seu favor. O lago está impotente agora para impedir a viagem. Parece em si crescer, entretanto, a noção de estar cá, mais do que na outra margem, o que falta conquistar. Teria chegado tarde o barco à vela?
Gociante Patissa 13.12.12, Aeroporto 17 de Setembro, Benguela (crónica, ou conto talvez, em construção)
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