Duas
cenas saltaram-me à vista, anteontem, durante o funeral de prima minha que
perdeu a vida em complicações de parto, na comuna do Monte Belo, minha terra
natal no município do Bocoio, que dista por aí uns 90 quilómetros do Lobito.
A
falecida era da “Jota” (braço juvenil do partido MPLA). Como tal, aquele
movimento fez-se representar por uma dezena de rapazes e raparigas com os
uniformes (T-shirts, bonés e panos) de sua ideologia. Até aí, tudo previsível.
Surpresa minha foi ver duas senhoras devidamente uniformizadas (T-shirts, bonés
e panos) do partido UNITA, que vinham prestar solidariedade pelo passamento
físico nas hostes adversárias.
Há
uma imensidão de ilações que se podem tirar, incluindo a de um tio meu, que
acha que “o outro” teria vindo apenas para provocação. Não foi bem o que me
pareceu, quer na postura, quer nos semblantes. Arrisco em dizer que foi
fairplay.
Parece
que o meu regresso ao Monte Belo acaba sempre cruzando com fenómenos políticos,
senão vejamos: meus pais abandonaram a comuna em 1985, à procura de
sobrevivência no Lobito. Regressaríamos (não para residir, mas) para cuidar da
lavra familiar em 1992, ano das primeiras e imaturas eleições, tendo saído
precisamente em Agosto, quando a rivalidade entre os maiores partidos políticos
angolanos ia cada vez mais volátil e o retorno à guerra civil iminente. Desde
2008 que venho tendo regressos mais frequentes, aproveitando o “advento da
paz”, sem nunca pernoitar. Só o fiz nesta circunstância de óbito, que me deu a
testemunhar este exercício saudável de coabitação.
É
sabido que é no meio rural onde conflitos de motivação partidária mais ocorrem,
quando, ironicamente, quase todos os habitantes estão ligados por laços
familiares.
Outro
exemplo digno de realçar está no facto de se preservar o papel dos
“Vakwacisoko” (organização, classe, categoria, brigada), colectivo voluntário
que cuida das tarefas mais difíceis na comunidade. Entre os ovimbundu, são os
"Vakwacisoko" quem acende o lume nos óbitos, quem prepara o defunto
em caso de indisponibilidade familiar, quem vai cavar a cova. Os seus
integrantes gozam de prestígio. Sei, por exemplo, que não têm de justificar,
caso lhes apeteça em serviço abater uma galinha, porco ou um cabrito da
comunidade, cabendo ao proprietário conformar-se. É óbvio que não chegam ao
extremo.
No Monte Belo, segundo soube, basta que chegue
aos ouvidos dos Vakwacisoko a ocorrência de morte, que eles cuidam logo de
preparar a cova. O mais interessante é que os mais-velhos estão já a preparar a
nova geração para este nível de voluntariado.
Obrigado!
Gociante
Patissa, 17 de Dezembro de 2012
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