sábado, 1 de dezembro de 2012

Crónica: Os absurdos do professor de EVP


A folha de prova era o único laboratório funcional que algumas escolas possuíam. Foi assim que a escolaridade de muitos de nós ficou marcada, fosse química, biologia ou física. Cheguei a conhecer permanganato de potássio, só de ver à distância, uma espécie de comprimido escuro. Para que serve? Olha, já nem me lembro. Serve mesmo para quê?!

Conheço pessoas que tiveram a nota final de 20 valores, a máxima que o sistema de ensino prevê, em programação de computadores na década de 1990. Obtiveram ricas notas no certificado e na defesa de tese de conclusão de curso no Instituto Médio Industrial de Benguela, sem que tivessem chegado a um metro sequer do aparelho. Como digo, era só teoria, que tinha como campo de ensaio a folha de prova. Agora que penso nisso, noto que o meu fascínio com a palavra não é de agora (tal como não é de agora a minha estrondosa fraqueza em contas).

Bem, acontecia então, como não podia deixar de ser, agigantarmos o nosso campo léxico com vocábulos, uns mais agradáveis de pronunciar que outros. Aos 15 anos de idade, frequentando a 8ª classe numa escola da Catumbela, eu viria a aprender um que me marcou até hoje. Foi quando o professor de Educação Visual e Plástica (EVP) pediu que comentássemos determinada afirmação. Na verdade, tratou-se de uma ideia que negava precisamente um teorema científico de desenho técnico que nos havia sido ensinado naquela mesma semana. “Isto é um absurdo”, escrevi eu, não fosse o novo vocábulo ficar sem uso.

O professor é que não achou piada alguma. Quando recebi a prova, estranhei o exagero de riscos a vermelho. Curioso para ver a nota, reparei que dos iniciais 12 valores, a classificação estava reduzida para oito, com uma observação furiosíssima: “Meça a tua língua, não estás a falar com o teu pai!”. Eu disse comigo mesmo: com todo o respeito, há aqui um parafuso solto na cachola do professor.

Primeiro, ele tinha-nos ensinado a medir esquadria, circunferências, rectângulos, quadrados  – nunca houve aulas de medir língua de quem quer que fosse. Por acaso nem sei se isso era para se fazer com régua, ou com um transferidor, ou mesmo com fita métrica, que lá em casa tínhamos uma de alfaiate. Segundo, como iria experimentar com o meu pai um “absurdo!” que nunca me ensinou? Então, ele, que tinha já muito com que se preocupar, iria agora ser cobaia para vocábulos paridos pela escola? Que “absurdo!”

Gociante Patissa, Benguela, 1 Dezembro 2012
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