segunda-feira, 30 de julho de 2012

Um conto da oratura de Cabinda: "Cabeça de pungo destrói casamento"


Por Seke Ia Bindo (texto e ilustração do Jornal de Angola)

Era uma vez uma menina muito bela e delicada, que os pais tratavam como uma princesa. A mãe queria ensinar-lhe a cuidar da casa mas ela só gostava de brincar e quando saía da escola, ia para as praias de Lândana contemplar as ondas do mar e imaginar castelos e príncipes encantados, para além do horizonte. O mar era a casa grande de Nyongo, o pasto dos seus olhos sonhadores.

O pai era pescador e trazia todos os dias para casa o melhor peixe que apanhava no alto mar. Umas vezes trazia corvinas, outras vezes pungos e garoupas de águas profundas. Como gostava muito de zifu zi yangu, a mãe arranjou uma pequena grelha onde preparava as refeições da família. A grelha era tão pequena que ela tinha que cortar a cabeça do peixe, quando ia assá-lo no carvão de fogo brando. Nyongo detestava aquele trabalho e quando via a mãe cortar a cabeça do peixe, ia para a rua e só regressava quando sentia o cheiro do peixe grelhado.

Um dia apareceu um rico homem, pedindo a mão de Nyongo em casamento. Os pais ficaram muito felizes, porque a sua princesa ia ter uma casa grande, boa vida e havia de ser respeitada por ser esposa de um homem poderoso. A mãe aconselhou Nyongo a aceitar o pretendente mas ela pôs uma condição:
- O meu marido tem que arranjar quem cozinhe. As minhas mãos não servem para lidar com o fogo e os meus olhos não podem ser toldados pelo fumo. Eles só gostam de se espraiar no mar.

Os pais disseram ao pretendente qual era a condição da menina e ele aceitou.
O novo lar de Nyongo era mesmo grande e rico. Ela deixou de ser a filha do pescador de Lândana e passou a ser uma verdadeira princesa. Uma mulher foi contratada para cozinhar, mas ela lembrou-se do que a mãe fazia ao peixe, antes de colocá-lo na minúscula grelha da família. Tudo naquela casa era grande, até a grelha, onde cabiam vários peixes inteiros ao mesmo tempo. Mas Nyongo toda a vida viu a mãe cortar a cabeça dos peixes e disse à cozinheira:
- Antes de assares o pungo tens que lhe cortar a cabeça! 

E a cozinheira obedecia, embora ficasse admirada. Não conseguia compreender porque razão a patroa mandava cortar as cabeças dos peixes, quando o patrão gostava tanto deles assados com fubia.  Um dia o marido disse à esposa:
- Quando grelharem o peixe, não lhe cortem a cabeça, porque essa é a melhor parte e o que eu mais gosto é de chupar as espinhas.
- A minha mãe corta sempre a cabeça do peixe e eu aqui vou fazer o mesmo. Não devemos  mudar os hábitos, só porque gostas de chupar as cabeças dos peixes.

Nesse dia houve a primeira discussão entre o casal. Mas Nyongo não cedeu e exigiu à cozinheira que cortasse a cabeça do pungo, como fazia a sua mãe. Se na sua casa era assim, no lar que constituiu tinha que ser igual.

O rico homem ficou muito zangado e, um dia, farto de ver desperdiçar a parte de que mais gostava no peixe, levou Nyongo de volta para casa dos pais. Quando a mãe lhe perguntou por que razão cortava as cabeças dos peixes, ela respondeu:
- Porque toda a minha vida de solteira te vi cortar a cabeça do peixe, quando cozinhavas para a nossa família. Não posso afastar-me do que vi em minha casa, só porque o meu marido é caprichoso. A mãe ficou pensativa e depois disse à filha:
- Cabeça de pungo é muito bom! Mas eu tinha que cortá-la porque somos pobres e a nossa grelha é tão pequena que não cabe lá um peixe inteiro.

Moral da estória: não devemos imitar os outros, cada qual tem a sua agilidade: bika landa bunka salila buna zabili. 
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