A luz do dia acabava de entregar a primeira manhã ao
grupo de visitantes, com alegre promessa de chuvisco. Começava uma jornada de
sete dias na cidade de Portland, do Estado de Oregon, que dista aproximadamente
três mil quilómetros e meio de Washington, DC.
O clima,
longe embora do tropical, saía-se menos gélido do que o da paragem anterior. De
avião, foram cinco horas ininterruptas, somadas à disparidade de fusos
horários, levando o dia a engordar para vinte e sete horas. Fosse o que fosse,
era preferível ao inverno de Washington, DC. Mas quem disse que era linear o
mito americano?! Talvez faça sentido que, ao contrário do que um dia critiquei,
as leis de um mesmo país variem de estado para estado, como se uns fossem mais
americanos do que outros. Bem, mas justo seria, por exemplo, que Miami, tão quente
e festivo, se guiasse pelas mesmas bitolas de outros lugares mais fleumáticos?
O grupo viria
a seguir para Salt Lake, estado de Utah, e culminar a turné em Miami, Florida. Portland
é de todas a mais inspiradora. Como se já fosse pouco conseguir juntar em Janeiro
um pouco de inverno com outro pouco de verão, tem ainda paisagem montanhosa e
um rio que passa pela cidade, esta, que combina com perfeição o bucólico com o cosmopolita.
É certo que América, até mesmo como país, é vastidão demais para caber numa
crónica.
Dois anos
depois, dou-me a ser transportado pelos semáforos acabados de montar na cidade
de Benguela para as memórias de Portland, suas paisagens, os inevitáveis
choques culturais, enfim, tudo o que de maravilhoso se ganha nesse renascer que
é viajar.
Estava anteontem
a jantar no “Tudo na Brasa”, escolhendo a parte a céu aberto para fotografar
com a mente a vida que caminha pelo calçadão. Lá dentro, a esmagadora maioria
de clientes, portugueses certamente, angustiava-se pela derrota no Euro diante
da Alemanha. Na estrada, alguns automobilistas e motociclistas marimbam-se para
as regras do semáforo. Nenhum regulador de trânsito por perto para o correctivo.
De errar em errar, não faltam peões que se metem a atravessar a estrada quando
o sinal luminoso não lhes é favorável. Parece que custa esperar. Mas quanto
tempo dura a luz até chegar a nossa vez? Depende, que em Portland pode durar o
ano todo.
Tinham-se
passado vários minutos sem que o semáforo se lembrasse de acender verde para nós,
os peões, atravessarmos. Avariado não parecia estar. Os carros circulavam, na
prioridade que o verde lhes confirmava, e nós ali, ansiosamente impedidos de
seguir a caminhada. Até que surgiu o Óscar Morales, um colombiano do nosso
grupo e já frequentador dos EUA, a desvendar o mistério. Era preciso premirmos
um discreto botão no caule que sustém um holofote ali mesmo na passadeira. Eis que,
instantes depois, acendia a luz da nossa vez. Sorrimos de alegria, superada a
ignorância. Quer dizer, enquanto não houver peões no cruzamento, os veículos não
têm por que parar.
Tal fórmula,
que veio obviamente a servir em Salt Lake, só reforçou a minha tese. A segurança
rodoviária é essencialmente uma questão de comunicação. A tecnologia pode lá
estar e ser funcional, mas não passa de complemento; determinante mesmo é o
toque humano.
O semáforo
como metáfora serve para outros sectores da vida. Lembro-me de como, em ameno
debate, uma amiga canadiana dizia que não gostaria de fazer filhos em Angola, por
entender que o nível de moralidade é baixo. Contra-argumentei então, conhecendo
a sua condição económica, que podia matricular os filhos nas mais reputadas
escolas. E ela retorquiu que a escola em si não resolvia, que a linguagem e
outras discrepâncias estavam na interacção com outras crianças.
De facto,
os semáforos, como as escolas, dependem da comunidade e do nível de cidadania
desta.
Gociante Patissa, Benguela, 11 de Junho de 2012
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HUM ISSO, É PARA POUCOS....
Viagem de intercâmbio aos Estados Unidos da América a convite do Departamento de Estado num programa denominado International Visitors Leadership Program, Janeiro 2010, através da Embaixada Americana.
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