Os vistos no passaporte já cantavam, só faltando a entrevista formal com o embaixador, Dan Mozena, no seu gabinete, ao Miramar. Cuidei de me apresentar com meia hora de antecedência. A funcionária de contacto acomodou-me na biblioteca. Com tantos recursos à frente, difícil era decidir se ficava pelos livros ou pela Internet, o que bem enganava o tempo. Mais tarde… Sr. Patissa? Sim. Muito prazer, apresentou-se um quadro sénior, desculpando-se pelo facto de a teleconferência estar a demorar mais do que o previsto, e com ela a disponibilidade do anfitrião.
No seu jeito sem pressa de articular, o embaixador reforçou as desculpas pelo atraso. Confesso que cheguei a recear um adiamento por eventual exaustão do “chefe”, o que não seria inaugural em Angola, embora de mau tom para quem viajou de Benguela, no caso. A presença de dois funcionários já referidos enriqueceu a descontracção do encontro. Podes voltar sem os dedos da mão, tal é o frio do inverno, disse-me a brincar.
A par da relevância da viagem à condição de estudante universitário de Linguística Inglês, ia como líder associativo juvenil num programa de intercâmbio de quase um mês a convite do Departamento de Estado, e o único que no grupo vinha de nação falante de português. A candidatura foi sugestão de Nancy Gottlieb, a empreendedora americana “benguelense”. Fiquei na Pensão Victor’s, por ironia, a da primeira viagem a Luanda. E já me via desorientado antes de partir. Terra alheia é sempre um labirinto. O bom é ter esse antigo milagre, o de sempre surgir uma mulher com a providencial ajuda (elas que não ouçam, ou vai-se o orgulho macho).
Cristina Galhardo, a moça de Sines que eu só conhecia online, predispôs-se a mostrar-me Lisboa, na ligação para/dos EUA. Escuro ainda pela manhã, no iverno de Janeiro de 2010, lá estava no aeroporto, fazendo-me viver aquela “calorosa recepção” que só existe nos relatos partidários da época da clandestinidade. Dela ganhei um par de luvas, senhor embaixador, por isso voltei com os dedos intactos.
Na hora do check-in, um impasse. O pessoal da aviadora jurava não ser possível seguir com o “schedule” do bilhete. O visto expirava no dia 29, um dia antes do fim do programa. Os americanos não te vão deixar entrar, justificava. Solução: antecipar o meu regresso (cinco dias). Já à boca do avião, o segurança manda passar, mas a mesma senhora das datas manda voltar para os devidos apalpões. Ai, Angola também faz parte da lista negra? Refilei. Não é só a Nigéria (de Mutalab)? Isso não tem nada a ver com a lista negra, retorquiu, seca. Provavelmente desconhecia a tolerância de um mês que se tem nos EUA após o fim do visto. Sete horas de voo para chegar a Newark, de ligação para Dulles, que levou outras duas horas e tal.
Depois de me perder umas trezentas vezes na imensidão do aeroporto, finalmente entrei no táxi de um rapaz da Somália. Contou que ganhou Green Card e não pretendia voltar à África. Proseamos sobre vários temas, um dos quais veio a ser recorrente: a discriminação de africanos por afroamericanos, ou sem os eufemismos, é como se o negro daqui fosse inferior ao de lá.
No dia seguinte iniciou o programa de visitas a monumentos, instituições, palestras e afins. E lá conheci Washington, DC, a capital federal dos Estados Unidos da América. Tive a pouca sorte de não me ter cruzado com angolanos, mas em compensação vivi o prazer da solidariedade.
No campo da solidariedade realço balconistas do Washington Marriot, duas da Eritreia e uma do Gabão, sendo que esta última estava na iminência de regressar à Terra. Conto o caso na Best Buys de Portland (estado de Oregon), onde adquiri o meu laptop: o motorista, de nacionalidade eritreia, desabafou por mim diante da gerência pelo atraso na programação, o que implicava um acréscimo no taxímetro pela demora. E o pagamento extra ficou por conta da irmandade. Passei por outras cidades, Salt Lake (Utah) e Miami (Florida), observando o melhor e pior de cada.
A profecia do Jorge (da Namíbia) foi cumprida: até agora, conheço quatro países e respectivas capitais: Luanda, Windhoek, Lisboa e Washington, DC. Viajar é elevar-se à altura do tempo.
Gociante Patissa, Benguela 22 Julho 2010
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Eheheh que frio estava!
Felizmente aquele mambo chato do visto acabou por se resolver. Até que nem correu mal, no geral, né?
beijos
Oi, dear Kanu, foi uma experiência memorável, por tudo, e sobretudo
pela companhia de Cristina. Bjs
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