A par do ingresso na Universidade, ter o passaporte foi outra compensação às desilusões de 2006. Rescindira o vínculo com a Handicap, ao cabo de três meses experimentais. Como segunda pessoa do Projecto de Reabilitação Baseada na Comunidade, o salário não chegava para a renda do anexo mais a comida.
Em Dezembro, estava com uma consultora australiana no aeroporto, quando me deu um estalo de saber se haveria voo para Lubango no dia seguinte. Sim, foi a resposta. Uma breve conversa com a mãe e irmãos chegou para o “até breve”! De mochila nos cornos e máquina fotográfica, paguei um moço, dono de um turismo velhinho que deu grande jeito, pois calhou ser dia de operação stop. Às tantas, outra vez a bordo do mono-motor da SAL, desembarcávamos no Lubango.
Em Dezembro, estava com uma consultora australiana no aeroporto, quando me deu um estalo de saber se haveria voo para Lubango no dia seguinte. Sim, foi a resposta. Uma breve conversa com a mãe e irmãos chegou para o “até breve”! De mochila nos cornos e máquina fotográfica, paguei um moço, dono de um turismo velhinho que deu grande jeito, pois calhou ser dia de operação stop. Às tantas, outra vez a bordo do mono-motor da SAL, desembarcávamos no Lubango.
Faltavam dois dias para o Natal, e o Namibe era ideal para se estar sem companhia, mas não necessariamente sozinho, com tanto que havia para fotografar. Ainda cheguei a conhecer pinguins num jardim infantil. Voltei ao parque de Campismo, à Marginal, caminhando na areia em companhia velhas embarcações, humilhadas pelas ondas do mesmo mar que se esqueceu de as levar para junto das sereias. No dia 26, enfiei-me no autocarro da SGO, deixando para trás uma das cinco províncias angolanas que se escrevem com seis letras.
Uma vez reinstalado numa barata pensão no Lubango, a preocupação era reforçar o dinheiro do bolso, aflição que durou até descobrir que o banco sol funcionava temporariamente nas instalações da Jembas. A atendedora, além de linda, estava em boa disposição. Resolvido! Mais volta, menos volta, bilhete de passagem comprado para a manhã seguinte com o destino Kunene.
Minutos antes da hora de partida, apresentei-me. E para meu espanto, os mecânicos substituíam o eixo de trás por um outro também já velhinho. Com quase duas horas de atraso, o autocarro ainda teve o infortúnio de “empurrar” uma viatura ligeira, que fazia ultrapassagem arriscada em cima da curva, não contando com o buraco (esgoto sem a tampa). Mais outra meia-hora até a polícia autorizar a partida, por volta das 11h30. Às 3h00 chegávamos à Santa-Clara. Havia um viajante, agente da polícia, que era um tagarela magistral. Não deixou ninguém dormir, mas o triste não foi isso: é que ele é de Catete, e só piorou os estereótipos.
Presumo que dava nas vistas meu ar de inexperiente. Foi o que achei quando me abordou um jovem que chegara de madruga num Jeep, também da Orcalves, lamentando-se do desconforto combinado do excesso de velocidade e má condição da via. Apresentamo-nos e passei a ter um cicerone. Desinteressado? Era negociante e, se tivesse que levar carimbo por cada passar de fronteira, veria o passaporte esgotado. Explicou às autoridades que eu era seu irmão, a quem foi buscar. Deu certo. Às tantas, ele implicava com meu sotaque inglês “de branco”, receando talvez dar pista a desconfianças. Não me cabia nem apetecia denunciá-lo, até porque como angolanos, falantes de Umbundu e distantes da Terra, éramos mais do que irmãos… entrando na Namíba.
No Oshikango, paramos para matabichar. Vou seguir para Oshakati, dizem que há lá bons preços, sem imposto, contei-lhe. Não chegas a Windhoek? Não, estou um pouco cansado. Quê isso, meu mano?! Então visitas um país sem chegar na capital? Um jornalista? Não diz isso. Deixei-me convencer. No táxi para Ondangua, não gostei do gesto do motorista em parar junto de cada polícia fronteiriça, como que a dizer “estão aqui suspeitos”.
Já quase a chegar, batia uma agradável, mas forte chuva. No total, oito horas numa estrada impecável, a uma velocidade de 160 km/h. O sistema de drenagem engolia as últimas águas, quando entramos na procura de "lar". No primeiro hostel, atendeu-nos um jovem de origem inquestionável, a julgar pelo jeito apaixonado de acompanhar a emissão da Rádio Nacional de Angola. Acabamos por ficar em Katutura, eu na pensão e ele em casa de amigos.
E lá conheci a capital. Com Jorge, não há canto de Windhoek que fique por visitar. E na hora de voltar, no último dia do ano, trazia com agrado um letreiro que vimos numa loja: “we welcome your returned goods” (aceitamos de bom gosto o produto que você devolver) – dissonância brutal com o que vemos cá. Boa nota também para o projecto de habitação para pessoas de baixa renda, que é contra a tendência angolana de crescimento de armazéns na cidade, e garagens virando vivendas…
Gociante Patissa, Lobito, 20 Julho 2010
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