Ainda em processo de assimilar a ressaca dos tumultos de Luanda a 28 e 29 de Julho, que seriam de greve do serviço do táxi em reivindicação contra o aumento do preço da corrida, decorrente do fim da subvenção aos combustíveis. Centenas saíram às ruas feito enxames com acção de movimento inorgânico caracterizada por bloqueio de vias de circulação, apedrejamento e incêndios a viaturas públicas e particulares. Passadas duas horas mais ou menos a reacção das forças de defesa e segurança utilizando balas reais traria um saldo dramático de perdas humanas, num total de trinta mortes nas províncias de Luanda, Malanje e Huila (incluindo um agente da polícia que teria tombado às mãos dos populares), de acordo com dados oficiais. Moro num dos prédios no centro da cidade com uma loja de conveniência no rés-do-chão também alvo de saque, por volta das catorze horas (não que alguma vizinhança também não participasse). Não sei como terminaria "o ataque" a bens públicos e privados no quarteirão se a polícia não chegasse em meia hora para dissuadir a voragem. Como quem sentiu de perto, confesso que aquilo era tudo menos protesto cidadão, espalhando o pânico e a insegurança e agressão gratuita, era mesmo selvajaria indiscriminada em ascensão. É uma experiência que para o bem de todos não se deverá nunca repetir. Mas por outro lado, é impossível não nos condoermos com as famílias enlutadas pela acção repressiva na hora de repor a ordem. É certo que alguns, entre detidos e baleados, não se encontravam propriamente a roubar ou a praticar vandalismo, mas no afã ingénuo de uma geração de caça-likes por meio de vídeos e fotos. A meio a este misto de emoções, ontem fiz companhia a um amigo que foi levantar documentos ao tribunal de Luanda (que ironicamente é vizinho do Ministério das Relações Exteriores, a casa da nossa cara para lá dos limites da extensão do nosso território). E durante uma hora aproximadamente acabei vivenciando o ambiente de cenário real de julgamentos sumários, naquela azáfama envolvendo autoridades judiciais, familiares dos detidos, advogados e os próprios réus. Alguns dos jovens transpareciam claramente o estado de choque, seria a primeira vez que se viam nos corredores de um tribunal. Na barriga, quase treze horas. La fora o sol de cacimbo é tépido, dentro ares condicionados e odores em notas dissonantes na pauta. Houve quem chorasse após a condenação e o encaminhamento para a viatura celular na cave, com a avenida da prisão a desenhar-se. Homem não chora, lembra-lhes às tantas a guarda prisional, suportada na retórica por uma funcionária do tribunal. A fila indiana segue, mas o passo é lento, o último tem ferimento no pé, os colegas avisam o agente de escolta, que demonstra empatia e anui para o reduzir do passo. O tribunal Dona Ana Joaquina cheirava o cheiro forte de seres humanos com banho em atraso. Entre detidos estão naquele momento umas dez senhoras que se terão juntado à avalanche de pilhagens de lojas e armazéns e tutti quanti. No entanto a grande maioria são jovens com traços predominantes de uma camada social economicamente vulnerável, cabelos e barbas só assim, trajes mal-amanhados, o que seguramente emite recados sociológicos dos desafios que temos de vencer como País no sentido de criar cada vez mais oportunidades de formação, aumento da renda das famílias e recriação do futuro para periferia. Que se faça justiça. Mas é preciso que o sentido reivindicativo não morra, nunca, por uma a cidadania participativa. Há no entanto que desaconselhar o radicalismo! Tal como termina o nosso Hino Nacional, "Pátria Unida / Liberdade / Um só povo / Uma só nação".
Gociante Patissa, 02 Agosto 2025 | www.angodebates.blogspot.com







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