A capital inexiste em Agosto. Corrigindo, existir, até existe, mas é vestida de fantasma. Tudo parado na agenda cultural, tirando fiapos de animação em bares, restaurantes e tascas de terceira linha. Porque os papões do ramo, estes, nessa época do ano, fecham-se em copas, fechar só a copa era pouco. Na vidraça das boas-vindas, como se poupassem no escrivão, estabelecimentos diferentes convergem na voz da folha A4 estampada. A estação é de Férias. Volta à carga só depois de 25.
No pico do verão, a grande Lisboa inexiste. O sol, que ocupa três quartos do ano em expectativas desde a tenra idade, agora é o único a preencher avenidas. Radiante, a dizer estou aqui, abraçai-me! Só que não. É um sol solitário. A gente a sombra levou. Nada melhor que baixar os estores da janela, hidratar, resguardar a pele dos raios.
Há quem aproveite para dar vez a obras cosméticas, de burro pouco tendo. Pisca-se o olho à quebra de jejum que se avizinha, apimentando a relação com o cliente. Não dizem por aí que com os olhos se come? Até lá, ao apetite que cace pratos mais para o mediterrâneo é fazer o caminho de volta com a sua fome. Conforme-se! Um deles eu, ainda lerdo nisso de kebabs e de costas viradas com os Eats bicicletados da vida, por motivos outros (fiquem para outras crónicas).
Só mesmo a ASMA, perdão AIMA, a desmentir o defeso institucional, para o gáudio de imigrantes em sufoco de regularizar a condição de residentes. Brasileiros, PALOPianos, Indostânicos, Latino-americanos, bwé só. Abastados, trabalhadores, desenrascados, estudantes, mwambeiros, mixeiros e pambaleiros (os três últimos coisa nossa). Estreantes e repetentes prontos na data indicada por e-mail de agendamento, em alguns casos com uma antecedência estreita agravada pela alta dos bilhetes de avião. Feliz sai quem chega à etapa dos sinais biométricos, não faltando dramas de só abrir e-mail em Agosto quando o agendamento era para Abril.
É este o tema que povoa, mais o Afrobasket reconquistado ontem após quinze anos a tentar. Meia hora depois do fecho de portas, e o Boeing 777 TAAG ainda no chão. Taxiar mesmo (guardemos a palavra rolar para momentos especiais), que é bom, nada. O embarque até correra suave. Como sempre, figuras públicas e publicadas a colorir. Jornalistas, DJ's, músicos, políticos e para-políticos, tudo à mão de semear.
Na fila ao lado um passageiro de por aí cinquenta e meio anos, sentado no corredor, ao ver uma menina de não mais de sete anos passar com o seu trolley abonecado, sauda-lhe com ternura de neta. "Estás boa?" Ela caladinha. Ao fundo do corredor vem a mãe, que não tem como ouvir o papo. Ele insiste. "Estás boa, menina?" A menor então responde: "Eu nem sei quem o senhor é!" Pausa. "Não sabes, né? Tens razão", completa o homem. Em instantes passa a mãe da menina, esta sim conhecida. Pela conversa de circunstância há pelo menos cinco anos que não se viam. Embarque segue.
A cena, curta na sua acção, projecta bem o dilema que se coloca às formas de educar o ser social. A dose certa entre a herança de um sistema de valores mais comunitário (de parentesco africanista extensivo) e a consciência de prevenção da criminalidade urbana (onde se educa a criança a não interagir com estranhos)... quem achará?
Gociante Patissa | por cima do Atlântico| 25 Agosto 2025 | www.angodebates.blogspot.com







0 Deixe o seu comentário:
Enviar um comentário