sexta-feira, 27 de junho de 2025
terça-feira, 17 de junho de 2025
terça-feira, 10 de junho de 2025
sexta-feira, 6 de junho de 2025
Crónica | AS CRIANÇAS E A INSÓNIA
Escandalizava-nos absurdamente ouvir dizer que alguém estava com catorze anos. Isso tudo?! Vinte
então... era coisa de dinossauro. Percorríamos picadas atrás da cana-de-açúcar, aguçados também por uma outra doçura, as lendas de heróis que desafiavam o exército de mosquitos e a ferocidade dos guardas e ODP para abastecerem o bairro com aquele petisco todos os dias e noites. Havia mesmo no bairro uma beldade com a proeza de completar a mesma idade, dezoito, já lá iam uns seis anos desde que estagnara em tão generosa faixa, auxiliada pela estatura esguia. E ninguém se feria com isso. Talvez, até, houvesse quem se roesse de inveja e sonhasse com o dom de ter apenas dezoitos, fosse em 1987, fosse em 1992.Só que um dia fomos dormir e demos, já na mesa do matabicho ou pequeno-almoço, como soe dizer-se, dizia demos com o temido século vinte e um bem sentadinho, desmentindo todo aquele espectro apocalíptico. Afinal os computadores não se descomandaram. Afinal o fim do mundo não era para já, a emigração para os céus imaginada falhara a data. E pior mesmo para os maus presságios foi 2002 e o calar definitivo da guerra civil.
Salvos do susto, continuamos a ir e vir do sono até que um dia, sem darmos por isso, estávamos já com a idade dos nossos pais. Vinte e tais, uns; trinta e poucos, outros. Servia de consolo o tecto de trinta e cinco anos para transpor a categoria de jovem. Ufa! Ainda falta contar mais uns para dinossauro! O tempo dos prolongamentos é sempre gasoso, por isso há que batalhar e batalhar quanto mais, por nós, pela família que nos legou o sobrenome e pela sociedade. Ser feliz também, claro, mas antes de tudo dar o litro para conquistar uma vaga na escola, desafiar a rocha que estorva a viela do emprego, num país que ensaiava viver após a guerra civil.
Vinte e três anos volvidos, as crianças daquele tempo hoje já só moram nos dizeres do documento na carteira, na roda dentada que cilindra e recicla o melhor da música dos anos oitenta. À criança daquele tempo hoje resta dar a mão à palmatória por tanto que ralhou os pais pela frequência com que acampavam em óbitos. Chegamos àquela fase em que os kotas, estado de alma impotente e discordante, diziam aconselhar a trouxa do acampamento de óbitos em prontidão. Ontem por exemplo foi-se, traído pelo coração, o Kamutamba, Sapalo Serviço, o fã inveterado dos Irmãos Almeida, tractorista da Empresa de Águas e Saneamento, irmão mais novo do antigo cobrador de autocarros da ETP, Amândio Serviço! Fica congelada a sua criança.
“A vida é criança perfeita, que renasce a cada amanhecer”, lia-se por aí neste universo digital das frases feitas com cheiro metálico das máquinas ou de fusíveis dos computadores que se iludem e nos iludem substitutos do pensar humano.
Angola segue sendo a criança dos nossos afectos. O futuro a nós pertence? Crianças, futuro e pertencer podem ser simples substantivos ou a insónia da coesão adiada. Por vezes me engasgo de ouvir nomes atribuídos à criança com pretexto africano, como quem rouba ramos e flores do jardim do vizinho sem lhe conhecer o propósito. E montam-se palavras divorciadas da essência proverbial e da virtude da conotação filosófica. Soa bem. Será que dialoga com a raiz?
Há dias soube da conclusão de um curso que levou três anos de memorização do Alcorão, conduzido pela comunidade muçulmana. Grupo-alvo? Crianças, quinhentas delas. Era ouvir na rádio algumas reverenciando a oportunidade da merenda servida em três anos de potencial investimento nacional em auroras embaciadas. É que o sono das crianças é cofre do sonho dos adultos.
Gociante Patissa | www.angodebates.blogspot.com | Luanda 06 Junho 2025
quinta-feira, 5 de junho de 2025
UTILIDADE PÚBLICA | A quem possa interessar: Bolsas para ensino superior dedicada à mulher do ramos STEM (Science, Technology, Engineering, and Mathematics) Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática. São custeadas pela Schlumberger, empresa prestadora de serviços do sector petrolífera, em parceria com o Executivo angolano
quarta-feira, 4 de junho de 2025
Crónica | RETRATOS DE CACIMBO SEM FRIO
Todas as manhãs cuido de despertar as várias pessoas que me habitam. O trabalhador inteira-se do relógio, das correspondências no telemóvel e pensa no que comer. Já o escritor, que não aprende nunca a deitar-se mais cedo, quer mais algum tempo de paparicar a cama, sonhar com respostas de meia-idade. Enquanto isso o doméstico anda às voltas a ver o que vestir, algo a condizer com a agenda do dia. É sempre um debate tácito até o moderador chamado ditadura racional pender a balança da rotina. Não há mais tempo a perder! Cuide-se da higiene, do matabicho e bom dia rua! Faço o trajecto a pé por opção, diria melhor por oposição ao atolado trânsito e inerente stress. De resto, localidades amigas da caminhada notam-se pelo uso popular de sapatilhas. Por cá sapatilhas só quando se abre a porta de um carro à porta de ginásio.
Há uns poucos meses já que deixei a marginal e passei a morar nos Estados Unidos, espiritualmente falando. Estados desavindos seria o mais justo. Não necessariamente por algum confronto, mas pela desobrigação de corresponder à saudação, por exemplo. Rostos carrancudos. A simpatia não mora ali. Tal como nos elevadores dos Estados Unidos, saudar ou não o vizinho dá igual. É de facto um microcosmo sociologicamente rico e representativo da heterogeneidade e das assimetrias. As escadas que levam aos mais de seis andares testemunham o corrupio desde a classe aparentemente média à classe mais de entrada. Desde o perfume intenso dos trajes a rigor ao odor forte (do banho esquecido) pelos tarefeiros que fazem a vida no sobe e desce dos degraus distribuindo pelos apartamentos água em bidões de 20 litros. Do cirandar das Testemunhas de Jeová, tão amigas de portas e campainhas, à fedorenta combustão da liamba em estado permanente. Do reluzir dos azulejos do prédio em recondicionamento ao estrondo dos casebres de chapa que lhe circundam a cada golo na Europa.
Entre Maianga e Mutamba também a cidade acontece antes do raiar do sol, pelo que nunca se pode dizer que saímos cedo de casa, só porque dentro do horário. Que me desmintam os Hiaces candongueiros azuis-brancos. O contraste é a marca da cidade, onde a esperança e o desespero se entrecortam no branco das batas ou uniforme de crianças a caminho da escola, contrastando com outras andrajosas em sono profundo no horizonte acessível que é o seu lar de lancil e berma. Engarrafamento não é só na estrada, no passeio também. O angolano tem o belo hábito de parar no exacto espaço estreito de passagem, ora porque está pensativo, ora porque conversa, está na fila no multicaixa. Ou então... porque o passeio vira mercado do informal para a venda de tudo e mais alguma coisa. É também a banca da quitandeira de legumes e frutas, ela que conta com roturas de condutas para molhar o produto e mantê-lo apelativo. A poesia visual corta o coração do olhar impotente, quando o verde do contentor de lixo ainda se arroga a prometer esperança ao estômago pelas artérias da moderna capital. Esse frenesim é a voz da cidade que se desdobra em ricas narrativas, ainda que fragmentadas. Do Umbundu, Lingala, Kikongo e algum Kimbundu, os nossos diálogos predominantes em português são um tesouro!
Esta manhã de cacimbo sem frio retive parte da prosa entre um munícipe e a sua amiga agente de trânsito. É daqueles registos bem arrancados das marcas da oralidade Bantu, quando o desdém aparente é afinal uma metáfora para o luto, um estado de negação. “Aquele mesmo bem calmo morreu mais?”, admirava-se o senhor, ao que ela responde, toda sentida: “Os outros se matam com grandes máquinas; ele foi morrer logo com aquele carrito bem simples?!” É claro que não é sobre carros, mas sobre o sentido curto da vida. Enfim, o contexto é tudo!
Gociante Patissa | www.angodebates.blogspot.com | Luanda 04 Junho 2025
terça-feira, 3 de junho de 2025
Proposta de Lei das Línguas de Angola: Qual teria sido o critério para o redactor/legislador arrumar a hierarquia da secção que se refere às línguas consideradas regionais, onde o Umbundu aparece na última alínea, no fim?
Qual teria sido o critério para o redactor/legislador arrumar a hierarquia da secção que se refere às línguas consideradas regionais, onde o Umbundu aparece na última alínea, no fim? Salta à vista na medida em que teoricamente o Umbundu era falado já nas décadas de 1990 por 1/3 da população. Ao enumerar a ordem terá sido adoptado algum Critério de natureza demográfica? Não procede. Ordem alfabética? Muito menos. Critério da pirâmide invertida? Também não nos parece. Ora, pode parecer um pequeno detalhe, claro, mas como em metalinguagem tudo comunica, a dúvida circunstancial ainda mora na página 7 da PROPOSTA DE LEI DAS LÍNGUAS DE ANGOLA, posta à consulta pública MINISTÉRIO DA CULTURA, MARÇO - 2025.

















