Ontem aprendi um pouco mais sobre os meus avôs maternos. Não cheguei, nem eu nem nenhum dos meus
irmãos e primos, a conhecê-los. É uma pena que a esperança de vida seja ainda tão curta na nossa Angola e mais curta ainda no meio rural.
Esta imagem a preto-e-branco é a única referência visual que temos do velho Gociante Kapiñala, também lembrado como o Kamucayila [kamutchaíla] em alusão a um pente de madeira e preguinhos em forma de escova, feito por imitação ao que os brancos colonos portugueses de então usavam.
O nome Gociante, ao que tudo indica só existente no município da Ganda, interior da província de Benguela, pronunciado /ngo-si-ia-nde/, deve ser uma corruptela de negociante. No registo, como não dialogasse o português com a língua dos colonizados, por isso mesmo não reconhecendo palavras iniciando por sons nasais (ng de ngandu, nd de ndondi, mb de mbaka), ficou Gociante. Explica isto o facto de não existir na língua umbundu o fonema /nt/, aliado ao facto de morfológica e sintaticamente não existir palavra de raiz que se lhe assemelhe. Ou seja, somos todos mestiços de uma forma ou de outra.
Agradeço a este senhor e à sua esposa Kwayela, que também não chegamos a conhecer em vida, como já referido, a graça de nos terem proporcionado uma mãe da dimensão da nossa Emiliana Chitumba Gociante. Ora, quando em 1998 optei pelo nome público de Gociante Patissa, deixando cair o primeiro, Daniel, também já não gostava nem é meu (isso é outra história), tive em conta a dívida de gratidão pela educação e valores de rectidão legados pela minha mãe, não sendo no caso específico mais importante o sobrenome paterno do que o materno.
Voltado ao dia de ontem. No decorrer de um evento familiar e todo aquele ambiente de partilha de adágios, aforismos e dramas familiares e lições de vida retive, entre outros, o seguinte: tendo perdido muito cedo os pais (a fonte não revelou como mas imagino que tenha sido por causas naturais), Gociante foi mais ou menos obrigado a formar família precocemente, como forma de cuidar dos irmãos menores. E assim foi, não faltando, como é das relações humanas, gestos de manifesta ingratidão da parte daqueles por quem se sacrificou formando família ainda na adolescência, trabalhando árduo para os sustentar e educar.
A fonte oral não deixou de alertar: o casamento civil seria coisa de ser dada a alguém com quem chegamos a viver e conhecer, acrescentando que a união entre irmãos de sangue é uma flor de vida curta. Então porquê? A partir do momento em que surgem os casamentos e a consequente introdução de outras sensibilidades, interesses e valores surgem os dramas nos laços.
Já há três anos, salvo erro, cheguei a partilhar outro fragmento da história do velho que, segundo o tio Isaac Samuel, o avô devia ter algo que hoje seria diabetes com efeitos de gangrena, tendo sido na sequência mandado chamar pelo seu primo-irmão Samuel Ferramenta, que era já um assimilado residente no Lobito. E no Lobito o avô Gociante terminou a sua passagem pela terra.
Gociante Patissa | www.angodebates.blogspot.com | Benguela, 4 Dezembro 2020
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Um grande abraço!
Posso publicar este post no meu blogue Angola Profunda?
https://bimbe.blogs.sapo.pt/
Afirmativo, meu caro José Frade.
Grato pela parceria.
Votos antecipados de bom ano.
Um abraço
Gociante Patissa
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