Jornal de Angola, 22.12.2020
Desde a noite de quarta-feira passada até agora, a notícia que nos abala corre como a pólvora: Paulo Cantareli, um autor brasileiro até então desconhecido para muitos de nós, publicou o texto “Lourenço Mussango, o plagiador de Angola”, no muro da sua página do Facebook.
No libelo de Cantareli, ele apresenta o que diz serem provas de que o seu conto “Serena”, publicado no livro “Recifenses” (Edições Mondrongo, Bahia, 2019), foi plagiado pelo autor angolano no conto que dá título ao recém-publicado livro “A Mulher Infinita” (INIC. Luanda, 2020), vencedor do Prémio António Jacinto, deste ano.
Por isso, este é um texto ingrato, desta vez, escrito pela pior das razões que poderia ter para escrever um texto: o escrevo por uma questão de responsabilidade, uma vez que escrevi o prefácio do livro.
Não importa se é um estreante, um autor com obra publicada ou, até mesmo, um escritor consagrado: quando aceitamos ler o livro que alguém nos dá e assume que é seu, a priori, não temos motivo para duvidar de que cada personagem, ideia e construção argumental e imaginária não o sejam.
Lemos os manuscritos com a melhor das intenções, desfrutando, reflectindo e pode acontecer que, ao contrário do que muitos pensam,podemos nem concordar com algumas das ideias do livro, sobretudo quando se tratam de pesquisas ou de ensaios, por exemplo.
Este não foi o caso do livro sobre o qual nos estamos a debruçar: “surpreendente, atrevido, crítico e elegante” foram alguns dos adjectivos utilizados no prefácio do livro de que faz parte o conto
posto em causa.
Porém, o texto de Cantareli é contundente. Ele apresenta cinco
dados para provar o que afirma, a saber:no seu conto tem uma personagem cujo nome é Zé Moreno e no de Mussango, a personagem chama-se Zé Gordo (1); no conto de Cantareli, Lampião é recebido por uma família, no de Mussango é um Nacionalista a quem uma família recebe, em circunstâncias similares (2); tanto no de Cantareli como no de Mussango há uma cena em que um mais velho diz exactamente as mesmas palavras(3); o conto de Cantareli fala de coiteiros – uma palavra do nordeste brasileiro que, por não ser muito utilizada entre nós, recordo ter consultado o dicionário à primeira vez que a li- e no de Mussango, a mesma palavra também aparece, o que provoca estranheza, não obstante o eco nas telenovelas brasileiras entre nós (4); no conto de Cantareli aparece um miúdo que é posto dentro de um saco e que vê tudo a partir de um buraco que o saco tem, no conto de Mussangotambém (5).
Entretanto, há ainda uma história (paralela coincidente) por esclarecer sobre a hipótese de que, na origem do plágio estejam circunstâncias mais escuras, que implicam uma terceira pessoa, a quem piratearam a sua conta desde sites e números brasileiros, um baile de datas sobre quem postou antes e a possibilidade de que excertos do conto em questão (não necessariamente os excertos que provariam o plágio) tenham sido publicados nas redes sociais, antes mesmo de Paulo Cantareli ter publicado o seu livro.
Mas, até ao momento em que escrevo esta crónica, não há provas que corroboram a hipótese de que, concretamente, o autor angolano tenha publicado antes o seu texto em livro ou que ele próprio o publicara nas redes sociais. Pelo contrário, quem publicou primeiro o seu livro foi o autor brasileiro, isso está provado.
Ou seja: tudo indica que houve plágio, mas, o tipo de plágio (parcial ou conceitual, já que excluimos o auto-plágio e o plágio integral), quem fez a quem e em que grau, lugar e circunstâncias ele aconteceu, essa é matéria que, para além do juízo moral e público dos leitores, ou regulamentar de quem organiza o Prémio António Jacinto, muito desejamos que quem acusa os prove em tribunal, onde, de certeza, a questão dos direitos de autor estará no centro da disputa.
Quando um escritor, músico e ou académico é plagiado e decide identificar, denunciar e demonstrar, publicamente, quem é o plagiador antes mesmo de transitar em julgado, a simples suspeita de plágio desencandeia já o juízo moral, social e mediático fulminante sobre o presumível criminoso. Quem for acusado de plágio fica condenado a passar a sua via-crúcis, o que, de certeza, marcará a sua trajectória, definitivamente.
Não importa o número de contos que o livro tiver, mesmo que for tão-só num conto, um plágio é um plágio: do que se trataria é da desonestidade do acto criativo que, caso se venha a provar em fórum próprio, não se executou com lisura. Em face disso, a percepção social dos potenciais leitores, a respeito do livro e do seu autor, muda radicalmente: a suspeita de plágio, se for razoável, fulmina o suspeito.
A graça, prazer e elevação do trabalho de ser escritor residem no facto de se tentar ser original. Quem não estiver disposto a fazer este esforço convém ir fazer outra coisa, na vida.
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