O poeta José Luís Mendonça é das vozes mais importantes da poesia angolana após a Independência |
Com a proclamação da Independência, a 11 de Novembro de 1975, houve um “boom” cultural, educacional e literário. Uma vaga de escritores emerge com o novo país independente, nos meados dos anos 80, através da Brigada Jovem de Literatura. São jovens oriundos dos liceus e da universidade, como de resto ocorre com a maior parte dos escritores das gerações literárias anteriores e dos restantes países africanos de língua portuguesa.
A utilidade desta geração do após independência pode ser aferida em função do impulso que dá à literatura angolana, bebendo da sua rica tradição criativa. A literatura angolana, objectivada como textos e autores, sofreu nos últimos 36 anos um impulso decisivo e é uma das literaturas mais antigas do continente, a par da da Serra Leoa, por exemplo, cuja primeira elite literária vem do Fourbay College, nos finais do século XIX.
Como é sobejamente sabido, a literatura enquanto instituição deriva do sistema escolar e da imprensa, sem prejuízo do imaginário nacional e da relação entre autores e público. Essa elite literária angolana publicou muitos trabalhos na página “Vida & Cultura” do Jornal de Angola.
Mas alguns anos antes foi publicada a primeira antologia depois da independência, por antigos presidiários de São Nicolau: Kolokota, Kangija e Ulika. Entre estes apenas um sobreviveu ao parto doloroso da nação.
Em Julho 1985 foi proclamada a Brigada Jovem de Literatura (BJL). Entre os seus animadores estão António Fonseca, São Vicente, Carlos Ferreira, Lopito Feijó, Irene Neto, Fernando Couto ou Victor Jorge. Entre estes, são raros os poetas que conseguem publicar os seus poemas, textos de ficção narrativa e ensaios na revista ou antologia “Aspiração”. Só muito mais tarde conseguiram publicar os seus títulos de estreia, por via da União dos Escritores Angolanos.
A BJL publicou três edições da sua revista “Aspiração", inspirada no poema homónimo de Agostinho Neto.
Os aspirantes a escritor querem brigar como formadores de consciências em busca da sua afirmação individual e geracional. Brigam e fincam o pé no chão da terra que os viu nascer e medrar para a vida, inspirados nos poetas da “Mensagem” e da “Cultura” ou da “Guerrilha” e do “Silêncio”, bebendo de outras leituras que lhes vêm parar às mãos, entremeada com a literatura marxista, que fazia época. Os autores do velho mundo, como Garcia Lorca, Bertholt Brecht, são referências. Os latino-americanos do realismo mágico idem, Jorge Amado, também. Tal como Luandino Vieira bebeu de Graciliano Ramos e os mensageiros do neo-realismo e dos (demais) nordestinos brasileiros.
Em 1986 surge a tendência estética Onhandanji, como atestava a sua vinheta, inspirados no valor simbólico da pedra e da riqueza plástica da cultura africana e nos artefactos da linguagem visual. Resgatam o experimentalismo já explorado na tradição literária angolana por poetas como António Jacinto, mas pensam também nos irmãos Campos do Brasil ou num Conde Lautreamont ou mesmo num Humberto Eco. O paladino dessa tendência estética eliterária é Luís Kandjimbo, secundado pelo poeta e crítico literário Lopito Feijó. Esta tendência contou com o apoio decisivo de Ruy Duarte de Carvalho, poeta dos “Sinais Misteriosos Já Se Vê” (uma referência obrigatória dessa nova postura). Dessa época destaque para Joca Paixão,o falecido Ginginha e o poeta António Panguila.
Revista Archote e os cantalutistas
Em 1986 surge a revista “Archote”. O autor destas linhas colaborou no seu terceiro número, em 1987. O seu principal animador era E. Bonavena. Faziam parte dessa tertúlia, que coabitava com o grupo musical e poético Os Kiximbulas, Doriana, Emanuel do Nascimento, Sande, João Faria e outros. Ao quinto número da revista, Luandino Vieira, então secretário-geral da União dos Escritores Angolanos, chamou a si a edição da revista e passou a ser impressa na Lito Tipo.
Ainda nos anos 80, os poetas Jose Luis Mendonça e João Maimona, que militava na Brigada Jovem de Literatura “Alda Alda”, no Huambo, ganham o Prémio Sagrada Esperança, nas duas primeiras edições. O INALD publica os seus livros de estreia, “Chuva Novembrina” e “Trajectória Obliterarda”.
Por essa altura, surge também o título de estreia de João Melo, “Definição”. Antes surgiram outros títulos nos Cadernos Lavra & Oficina da UEA. Carlos fFerreira foi o primeiro a inaugurar a colecção. Depois seguiram-se outros livros: “Doutrina”, de Lopito Feijo, e “Lenda do Chá”, de Rui Augusto, que depois publicou ”Amor Civil”.
O “boom” dá-se nos anos 90: alguns dos novos aspirantes a autores recorrem a patrocínioss e a fundos próprios para fazer ouvir a sua voz poética, contra as tentativas frustradas do seu clamor ecoar no deserto.
Com o espaço editorial a meio gás e num ambiente de quase ausência de crítica literária, dá-se lugar à mediocridade e mesmo ao simples panfleto que não chega a ser poético. A par dos bons poetas, também surgem os chamados “cantalutistas”, mais preocupados com a mensagem do que com a forma. Os formalistas, a par dos diletantes, também abundam, fugindo à abordagem literária do quotidiano.
Alguns autores desencantados, velhos e novos, esquivam-se no amor. Este tema mobiliza a contestação dos críticos e ensaístas mais argutos da praça, indignados com o facto dos poetas passarem ao largo da virulência do tecido social, que não pode ser escamoteada, nem negligenciada muito menos omitida pelos mais bem-intencionados de que o inferno anda cheio.
A arte da palavra
O país exangue, mergulhado numa guerra atroz, exige mais. Os poetas que procuram o equilíbrio entre forma e conteúdo, preenchem o círculo de uma luz no fundo do túnel, anunciando um novo ciclo de renovação temática e estética na literatura angolana, rompendo com outras dinâmicas criativas, ainda que titubeantes.
António Gonçalves dá o ar da sua graça em 1994, com “Gemido da Pedra”. Outros tantos não estão alheios ao novo contexto. Nesta perspectiva, assiste-se a um novo “boom”editorial, já sem o peso do anterior, mas que marcou uma fase interessante da nossa história cultural recente. Autores antes nunca publicados em livro saem do casulo, nalguns casos com o apoio de mecenas. Outros tantos entregam-se à edição de autor com meios próprios. Inscrevem-se nessa perspectiva Flas Ndombe, António Panguila, Kafuqueno ou Frederico Ningui.
Os jovens são acusados de só cultivarem a poesia, por ser o mais fácil dos géneros, desconhecedores do grau de exigência e o rigor intelectual que o fazer literário, com o particular realce para o labor que a arte da palavra, por excelência - a poesia – impõe a todo o tempo.
Os prosadores são raros, mas temos Sílvio Peixoto, cronista de fibra, falecido prematuramente num acidente aéreo. Lá se foi o polemista agressivo e bem-falante! Entre prosadores ainda temos Jacinto de Lemos, com “Undengue”, Roderick Nehone, do “Ano do Cão” e a romancista Rosária da Silva, com a celebrada “Totonya”.
Nos últimos anos, a par da consolidação deste legado literário que já é secular, o valor acrescentado da actividade ficcional e poética dos novos autores, afirma-se, reafirma-se e firma-se no meio de um novo surto. Este de maus poetas. O défice que muitas dessas obras acusam em termos de qualidade, publicadas pelos mais novos dos anos 2000/2010, revela as limitações de vária ordem que os “novos aventureiros” da arte de escrever enfrentam, a par da falta de leitura aturada e o deficiente conhecimento da língua portuguesa.
Ainda estamos longe de ver emergir uma nova geração de poetas de qualidade literária reconhecida como nos finais dos anos 80 e princípios dos 90.
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Companheiros das letras,
Que havera em comum, para alem de palavras coincidentes do titulo, entre os Cinco dedos da Vida de zismael Mateus (romancista) e os Vinte dedos de Vida de J. Luis Mendonca (poeta)?
hehehe, mano, não te sei responder. Ainda não li um nem outro, mas os livros têm a comum certeza de nascerem de jornalistas heheh.
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