Menos de meia hora ligado ao meu computador (que implica outro lado meu) foi suficiente para acabar com a dor de cabeça (literalmente falando) de quem aguentou 8 dias, sem folga, no serviço de terra em aeroporto. Estar numa boa empresa não é estar num bom emprego. Definitivamente, nunca gostarei de aeroportos e não me sinto obrigado a dizer o contrário. É o caminho a que leva a barriga.
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Ensaio: Cancioneiro do Bocoio, por Francisco Soares, Gociante Patissa e Félix Chijengue
Cancioneiro do
Bocoio[i]
Autores: Francisco Soares (docente universitário, crítico literário e escritor),
Gociante Patissa (técnico superior de linguística inglês e escritor), Félix Chijengue (estudante de Linguística Português)
Durante o primeiro semestre de 2010 sugeri a Félix Chijengue Matias Manuel,
estudante do curso de Linguística-português da Universidade Katyavala Bwila,
que fizesse um levantamento do cancioneiro tradicional da zona do Bocoio-Monte
Belo, terra de origem de seus pais. O concelho do Bocoio fica situado no
interior montanhoso e fértil da província de Benguela, província que principia
no litoral-centro da República de Angola. É um concelho grande, cuja sede
(homónima) fica a cerca de 102 km’s da capital da província e a cerca de 75
km’s do porto e cidade do Lobito. No seu todo o município tem cerca de 164 mil
habitantes.
Incentivei Félix Chijengue a anotar o texto com explicações para os poemas,
trazidas pelos transmissores e outras, contextuais, de sua lavra ou de amigos e
familiares. Se o resultado dos comentários nem sempre foi dos melhores, o breve
cancioneiro reunido revelou um material interessante e sem os comentários não
podia ser analisado corretamente. Esse material junta canções atuais e outras
de origem mais recuada na história de Angola e suscita-nos questões que vão de
uma poética tradicional umbundo ao confronto com as versificações e poéticas de
raiz europeia. Os ajustamentos interpretativos, contextualizantes, lexicais e
mesmo ortográficos de Gociante Patissa acabaram resolvendo a maioria das zonas
de sombra que ainda me perturbavam.
Trago agora esse material à comunidade científica interessada, incluindo os
comentários escritos e transcritos por Félix Chijengue, bem como os meus e os
de Gociante Patissa (em notas ao fundo de cada página). Para conferir as traduções,
a métrica e o ritmo contei com o apoio de várias pessoas. Entre elas destaco os
nomes do mesmo escritor Gociante Patissa, da Dr.ª Miraldina Jamba, da Dr.ª
Joana Quinta e de D.ª Maria Rita – pessoas às quais encarecidamente e
publicamente agradeço.
Uma breve nota, relativa à apresentação das peças, impõe-se. Os versos são
seguidos por números que indicam a soma de sílabas métricas baseada na dicção
umbundo corrente (confrontei falantes de umbundo dessa e de outras regiões)
para que o leitor menos acostumado possa ter uma noção mais precisa das
relações métricas em jogo. Nessa divisão, tento aproximar o máximo possível a
grafia da fala.
Deolinda Valiangula, administradora municipal do Bocoio |
Uma última nota, relativa à ortografia (que é da responsabilidade de Félix
Chijengue). Na ortografia para as línguas banto adotada por Angola
×
o [s] entre duas vogais lê-se como [ss] em português;
×
a colocação do [n] antes de consoante não implica
necessariamente a nasalação da vogal anterior, mas a colocação da língua antes
de pronunciar a vogal, como acontece com [m] e [n] em começo de palavra e antes
de consoante (Bocoio, por ex., na grafia bantu, escreve-se mBokoio);
×
o [c] entre duas vogais, sendo a segunda um [e] ou um
[i], lê-se [tch];
×
o [g] lê-se como se fosse grafado [gu] em português, não
se confundindo, portanto, com o [j] (não se lê jê mas guê – na grafia
portuguesa).
1º canto: o contrato (canto de
resistência) – festa olundongo
Indele vikuete onya
(i-nde-le-vi-kwe-to-nha = 7)
Indele vikuete
olucele (i-nde-le-vi-kwe-to-lu-tche-le = 9)
Ondaka vakapa mukanda
(o-nda-ka-va-ka-pa-mu-ka-da = 9)
Onjila vakapa
mokalunga[1]
(o-ndji-la-va-ka-pa-mo-ka-lu-nga = 10)
[2]Me-ko-nda lyo-ku-li-mbi-sa omu-nu o-lo-ndun-gê
= 15)
7-9-9-10-15
Tradução
Os mulatos[3]
têm inveja
Os negros têm ambição
Põem[4]
a palavra na carta
Põem o caminho no mar
Para atrapalharem o juízo dos outros
Festa Olundongo.
Este canto era acompanhado com batuque[5]
e danças. Geralmente era feito na festa de quem foi solto da prisão e do
trabalho escravo.
Em termos de tema este canto vem responder ao colono porque
agora se descobriu o caminho do Lobito à Catumbela. Eles dizem isto porque
naquele tempo os escravos eram apanhados no Bocoio, eram levados de carro até
ao Lobito com destino à Catumbela para trabalharem nas plantações de cana-de-açúcar.
Postos no Lobito embarcavam até à Baía Farta ou ponte-cais de Benguela. Destes
lugares eram retirados de carro até à Catumbela para pensarem que, do Lobito à
Catumbela, o caminho é sempre pelo mar. Depois de descobrirem que, afinal,
havia um caminho terrestre e próximo revoltaram-se contra o colono e outros
negros que mandavam dizendo que: primeiro, não nos ensinavam a ler e punham
palavras nas cartas e faziam-nos passar pelo mar quando o caminho estava aqui
próximo, tudo isso para nos enganarem.
Em primeiro lugar sobre a
tradução.
A primeira palavra, indele, designa ‘branco’ ou ‘senhor’,
pessoa importante, com posses e que geralmente traja à maneira europeia. Na
Lunda este sentido, segundo o sociólogo Vitor Kajibanga, é atual ainda. Mais
recuadamente ainda, entre os bacongo dava nome aos invasores. A palavra teria
raiz em hûndela ou hûndula, verbo que se traduz por
“detestar, desgostar” (Batsîkama,
2010, p. 124) .
Na província de Benguela e na língua umbundo reduziu-se ao significado de
‘branco’, embora Batsîkama assevere que, originalmente, designava espíritos
maléficos. No entanto foi traduzido por ‘mulato’. De certo modo ‘mulato’ remete
para o sentido mais antigo, presente ainda na Lunda; porém a tradução pode ter
sido condicionada pelo facto de o canto se destinar a mim, branco – e, por
delicadeza, não quererem nomear a minha cor de pele. Como se pode ver no
comentário que juntaram, é ao colono, ao explorador (e nesse sentido ao branco),
que se referem no canto. Seria, portanto, melhor traduzir por ‘brancos’, ou por
‘exploradores’ e não por ‘mulatos’, indicando-se em nota que ‘branco’ tem um
significado sociológico mais do que relativo à cor da pele.
Provavelmente por
distração, indele vem traduzido no
segundo verso por ‘negro’. Pelas razões aduzidas, convém mudar para ‘branco’. No
entanto é de lembrar que, perto do final, o comentário diz: “contra o colono e
outros negros que mandavam”, o que pode justificar a tradução de indele por ‘negro’ no segundo verso
(significando qualquer coisa como: ‘uns por cobiça, outros por ambição’).
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Oratura: “Tutavela ovokulu, pwãi omalanga ka yifi vociliva"
A diplomacia que se espera de um adulto nos leva a mostrar
que acreditamos, mas a palanca não é de cair na armadilha. (máxima
Umbundu)
sábado, 24 de setembro de 2011
A oratura em Angola (trecho do livro Luanda, literatura e cidade)
Dadas as numerosas formas de
manifestação que a oratura tradicional angolana assume – a música, a poesia, as
narrativas e os provérbios e até os testos ou tampas de panela[1] –
optamos por seguir a classificação proposta por Héli Chatelain a propósito dos
quimbundo, a qual, deve-se frisar, não colide com a de outros estudiosos[2] como,
por exemplo, Oscar Ribas (1964).
Dessa maneira, pode-se afirmar
que as manifestações culturais orais angolanas classificam-se em seis classes
principais:
·
a
primeira delas inclui todas as estórias tradicionais de ficção, inclusive
aquelas em que os protagonistas são animais. Segundo Chatelain, elas “devem
conter algo de maravilhoso, de sobrenatural. Quando personificamos animais, as
fábulas pertencem a esta classe, sendo estas histórias, no falar nativo,
chamadas de MI-SOSO. Começam e findam sempre por uma fórmula
especial” (CHATELAIN, 1964, p. 102)
A forma especial de intróito
dessas narrativas se dá graças a uma utilização idiomática do verbo ku-ta,
que significa “contar”, “falar”, “expor”. Uma tradução do uso específico desse
verbo nas narrativas tradicionais equivaleria aproximadamente a “por uma
estória”. Esse uso se observa quando o contador dá início à narrativa com:
“Vou por uma estória”.
A que o auditório prontamente responde: “Venha ela” (“Diize”) Já com relação ao
fecho das narrativas tradicionais, é Óscar Ribas quem informa: No encerramento,
diz-se: ‘Já expus (Ngateletele) a minha historiazinha. Se é bonita, se é feia,
vocês é que sabem.’ Quando a história é pequena, finaliza-se: “Uma criança não põe
uma história comprida, senão nasce-lhe um rabo!” (RIBAS, 1964, p. 28).
Referindo-se aos
temas e personagens do mi-soso (ou misosso), o mesmo autor ainda diz o seguinte
sobre as personagens e ações dos contos tradicionais angolanos: Os contos,
ordinariamente, refletem aspectos da vida real. Neles figuram as mais variadas personagens:
homens, animais, monstros, divindades, almas. Se, por vezes, a ação decorre
entre elementos da mesma espécie, outras, no entanto, desenrolam-se misteriosamente,
numa participação de seres diferentes. (RIBAS, 1964, p. 30)
Nos mi-sosso os
animais, assim como os homens, revestem-se de dignidade própria e são dotados
do dom da fala. Entre si tratam-se de forma cortês e ordinariamente as suas
relações pautam-se não pela escala de hierarquia social, mas tão-somente da
familiar. Quando em sociedade, o valor individual reside na corpulência e, por
conseguinte na força, constituindo, aparentemente, a inteligência e a astúcia,
predicados secundários. Ocorre, entretanto, que via de regra, tal como acontece
entre os homens, um animal pequeno, valendo-se da sua esperteza, vence o de
porte superior e, assim pode-se verificar que grande parte dos mi-sosso acaba
por enaltecer a astúcia, em detrimento da força bruta. Dentre os animais
destacam-se:
·
o mbewu (cágado ou tartaruga) que
normalmente é apresentado como juiz inteligente e sagaz e cuja longevidade
lembra a sabedoria dos mais-velhos;
·
kandimba (a lebre ou coelho selvagem) – é também
juiz, mas não raro foge às consequências, ou seja, dá a sua opinião, decide mas
não implementa as decisões, preferindo esconder-se;
·
njamba (o elefante) – apresenta-se como
representante da força bruta, de modo na sua representação a força física
sobreleva a inteligência;
·
nguli, hosi ou ndumba (leão) – assim como o
elefante, é representante da força e da ferocidade. É, no entanto, representado
como facilmente enganável por um animal mais astuto. Os mi-sosso, também, podem
ter como personagens os monstros, antropófagos quase sempre, dentre os quais se
destacam:
·
os
quinzáris que possuem corpo de fera (onça ou pantera), mas com pés
humanos – metamorfose obtida por magia concedida para o efeito. “Homem-fera.
Palavra formada a partir do quimbundo: kuzuma (dilacerar) + kûria (comer)”
(RIBAS, 1997, p. 249);
·
os
diquíxis que apresentam aparência humana, mas possuem cabeças que se reproduzem
quando decepadas “limitadamente, segundos uns; ou com muitas cabeças simultaneamente,
em número variável, segundo outros”. Ainda que tenham forma humana, esses
antropófagos vivem isolados do homem. “Este estado também pode ser obtido por
magia, por um tempo determinado(...)”. A origem do vocábulo diquixi remontaria
ao quimbundo kuxiba (sorver)”. (RIBAS, 1997, p. 82).
A segunda classe das categorias
da oratura angolana é a das
·
MAKA – que compreenderiam as histórias
verdadeiras ou reputadas como tal. “Embora servindo também de distração estas
histórias têm um fim instrutivo e útil, sendo como que uma preparação para
futuras emergências”, nos informa o autor de Contos populares de Angola (CHATELAIN,
1964, p. 102). Com relação à terceira categoria da oratura angolana, temos
·
MA-LUNDA ou MI-SENDU. São estórias
especiais, já que são transmitidas apenas pelos mais velhos (especialmente os
chefes), pois se constituem nas verdadeiras crônicas históricas. “São
geralmente consideradas segredos de estado e os plebeus apenas conhecem
pequenos trechos do sagrado tesouro das classes dominantes”. (CHATELAIN, 1974,
p. 102).
Na quarta categoria estão os
·
JI-SABU - provérbios, em que avulta a concisão.
São largamente usados na fala cotidiana: “para prova das afirmações que se
fazem ao correr de um discurso, para decisão final, numa troca de impressões, a
fim de destacar a idéia-mestra do diálogo; para conclusão de julgamentos (...)”
(VALENTE, 1973, p. XI)
A quinta categoria abrange
·
a
poesia e a música, quase que inseparáveis: Em regra, a poesia é cantada, e a música
vocal é raramente expressa em palavras. (...) Na poesia quimbunda existem poucos
sinais de rima, mas muitos de aliteração, ritmo e paralelismo” (CHATELAIN, p. 102).
Essas produções são chamadas de MI-IMBU.
A sexta e última categoria é
formadas pelas
·
adivinhas,
chamadas JI-NONGONONGO[3].
Têm como função principal exercitar o pensamento e a memória. “Como noutras
partes do mundo, também possuem em Angola, as suas frases pragmáticas de
iniciação. Palavra do quimbundo kunyongojoka: voltear, torcer.” (RIBAS,
1997, p. 215).
Por: Profa. Dra. Tania Macêdo
Bibliografia referida
RIBAS, Óscar. Misosso -
literatura tradicional angolana. Luanda: Angolana, 1964, 3 vol.
VALENTE, José Francisco. Paisagem
africana (Uma tribo angolana no seu fabulário). Luanda: Instituto de
investigação científica de Angola, 1973.
OLIVEIRA, Américo Correia de. O
livro das adivinhas angolanas. Lisboa: Mar além, 2001.
In «LITERATURAS
AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA I - Antologia de Textos», UNIVERSIDADE DE
SÃO PAULO, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de
Letras Clássicas e Vernáculas, 2008.
[1] Para José Martins Vaz (1969- I vol. p. 9), os testos
– tampas - de panela são “cartas, bilhetes esculpidos, portadores de mensagem
traduzíveis em provérbios (...)
[2] Ver, a respeito, ver a exaustiva bibliografia citada
e comentada por Oliveira (2000, vol. I, p. 94)
[3] A respeito, remetemos a O
livro das adivinhas angolanas, de Américo Correia de Oliveira (OLIVEIRA,
2001) que congrega mais de mil adivinhas divididas a partir de temas: Fauna,
Flora, Mundo, Geografia, Objetos, Corpo humano, Alimentação, Pessoas,
Miscelânea, Impossíveis e Filosofia de vida.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Que tal uma leitura do Boletim Informativo da AAPAL - Associação dos Antigos Professores e Alunos do Lobito?
Descobri o Boletim Informativo da AAPAL - Associação dos Antigos Professores e Alunos do Lobito, em Portugal. A edição do 3º trimestre de 2011 traz no espaço dedicado a lendas angolanas um conto por mim adaptado. Eis o link para ter acesso à edição no PDF http://www.aapalobito.org/BoletimInformativo_5.pdf
Abraços com Benguela pelo meio!
Gociante Patissa
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Crónica: "Porque não esqueço a Do Carmo"
A
grandeza das localidades é sempre relativa. E, como é de imaginar, a cidade torna-se
excessivamente extensa quando você precisa de localizar as instituições (a pé). Fora isso, nenhum lugar continua grande
depois que o dominamos, é como se o conquistássemos da esfera da transcendência.
Assim, ainda mais pequeno do jeito que é
o Bairro da Luz, no Lobito, corro o risco de esbarrar nas pernas dela, as quais o tempo parece
não se cansar de tonificar, com ciclos de dores maternais e luxo.
Toda
essa ladainha por causa da Do Carmo, que não é nenhuma instituição de ir por aí
além. É apenas o nome, um nome daquela mulher. Não sei mesmo porque me coloco a
falar dela, de tão improvável que imagino ser para ela lembrar-se de mim,
alguma vez, algures. E porque teria de lembrar? Se calhar, por não ser normal
esquecer. Por aí.
Anda
às idas e vindas, como se Luanda e Benguela tivessem a distância de tampa e panela.
É muito o que doze anos ininterruptos podem fazer à fisionomia das pessoas, se
mulher muito mais ainda, mas nem por isso tive alguma dúvida em lhe reconhecer.
«Pode dizer-me seu nome, senhora?», dirigi-me a ela, desarmado. «É uma espécie de interrogatório?», retorquiu, refilona,
bela, dominante. Sorri. De outro modo seria outra pessoa. «Você se chama Do Carmo,
certo?» Acenou com a cabeça, como se houvesse ali menor esforço do que em dizer
a palavra «sim».
Entre
nós está o balcão. Atrás dela, uma dezena de almas aguardando pela vez. O check-in
consome metade de hora e meia. De vez em quando levanto os olhos, como que a
dizer aos que aguardam «estou para todos». E sorrio, para lá do sorriso
mecânico que se espera de um atendedor público. Por alguns instantes, é como se
possuísse a Do Carmo. Reviro quantas vezes me apetecer o BI dela para lhe ver a
idade oficial. (Daí o sorriso. Não que me dê prazer algum o lugar ou o típico
stress da actividade).
Por
falar em idade, tira-me o stress aquele sorriso malandro cada vez que me vem à
cabeça a implicância de Do Carmo. A mulher não aceita que eu tenha menos idade
que ela, algo contraditório à indiferença com que se mostra quando passa pelo
meu local de ganha-pão. Para ela, só posso ter recorrido à falsificação do BI
para escapar à tropa – expediente muito em voga durante a guerra – se lhe disse
que fomos colegas de carteira no ensino médio. É, aliás, por esta relação que me importo com ela. Por um ano, convivi com o que Do Carmo era e
a pessoa que sonhava ser. Calhava
às vezes juntar-se alguém a nós na caminhada entre o Compão e o Santa-Cruz, sob
aquele sol que leva à hora do almoço.
Morava
entre o PUNIV e o meu bairro, com isso o inevitável caminho pela rua dela, que
era a da padaria também. Ali chegados, ela convidava para entrar. E pagava. Como caía bem o pão seco! Depois, escoltava-me
até à estrada. Quando nos despedíamos, estavam ainda em serviço os maxilares. Era
assim de segunda à sexta, excepto nos feriados. Por isso é que não esqueço a Do
Carmo, por todos aqueles pães e pela companhia.
Gociante
Patissa, Aeroporto da Catumbela, Benguela, 21-22/09/2011
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Makas na equipa de futebol do Club 1º de Maio de Benguela
A cinco jornadas do fim do campeonato, o presidente do 1º de Maio de Benguela, o empresário Nelito Monteiro, despediu o técnico, Paulino Júnior, por ter dito em entrevista à Rádio5 que "se o presidente do clube não se solidarizar mais com a equipa, o Maio vai descer de divisão". O desabafo surge também em função do atraso salarial (mês e meio, segundo o presidente).
Chamado a ocupar o lugar, o treinador adjunto, Diniz, recusou a proposta, solidário ao seu colega. A mesma reacção teve o responsável pelos guarda-redes, Kasuku Malaji. Pelo menos por um dia, os jogadores faltaram aos treinos. O vazio acabou com a apresentação de Fussu Nkosi (21/09), que outra vez na história do Clube da Rua Domingos do Ó surge como "bombeiro". Para adjuntos, tem um técnico das camadas de formação e o guarda-redes da equipa sénior no papel de treinador dos homens da baliza.
Chamado a ocupar o lugar, o treinador adjunto, Diniz, recusou a proposta, solidário ao seu colega. A mesma reacção teve o responsável pelos guarda-redes, Kasuku Malaji. Pelo menos por um dia, os jogadores faltaram aos treinos. O vazio acabou com a apresentação de Fussu Nkosi (21/09), que outra vez na história do Clube da Rua Domingos do Ó surge como "bombeiro". Para adjuntos, tem um técnico das camadas de formação e o guarda-redes da equipa sénior no papel de treinador dos homens da baliza.
O que soa caricato é o presidente dizer, em entrevista à Rádio Ecclesia, que a solidariedade do técnico adjunto para com o seu colega, que se traduziu em rejeitar a proposta de substituição, "foi uma cobardia". Seria gesto de coerência ou cobardia, senhor presidente? Para Nelito Monteiro, Diniz devia prestar solidariedade à equipa, que são miúdos que precisam de acompanhamento e não ao colega despedido.
O desabafo de Júnior, no calor do empate com o Progresso do Sambizanga, abriria um precedente forte, justificando-se por isso o despedimento, "não pelos resultados mas pelos pronunciamentos". O presidente, diz ainda, não é obrigado a andar próximo da equipa, nem sentar-se ao banco, por ter coisas mais prementes do Clube com que se preocupar. Para acompanhar a equipa de futebol tem indicada uma pessoa, Rui Araújo, o "eterno" vice-presidente. "Nós nunca interferimos no trabalho do técnico, e não podemos admitir que interfira no trabalho da direcção", realça.
Alguns sócios pedem a realização de assembleia para renovação de mandatos, numa altura em que o 1º de Maio beira a despromoção. O presidente não se opõe nem perde oportunidade de mandar recados. Chega mesmo a dizer que deviam preocupar-se em trabalhar mais do que exigir assembleias.
Gociante Patissa, Benguela
Gociante Patissa, Benguela
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Oratura: "Ocimbulu nda cakava cilumana" / O burro, quando se cansa, morde. (sabedoria popular Umbundu)
Enquadramento: o burro, como instrumento de trabalho no campo, é conhecido por ser muito obediente. Mas quando se farta, não tem receios em morder o dono.
sábado, 17 de setembro de 2011
Aqui vai um contributo do Instituto de Línguas Nacionais sobre o código linguístico Bantu ou alfabetos das línguas angolanas
À luz da grafia em uso actualmente em Angola (referimo-nos à Resolução n.º
3/87 do Conselho de Ministros que aprova, a título experimental, os alfabetos
de 6 línguas nacionais, nomeadamente o Kikongo, Kimbundu, Cokwe, Umbundu,
Mbunda e Kwanyama), recomendaríamos, ao nível da transcrição fonológica e das
suas respectivas regras de transcrição, dentre outros, o seguinte:
— a sequência: i + a, e, i, o, u escreve-se ya, ye, yi, yo, yu,
respectivamente;
— a sequência: u + a, e, i, o, u escreve-se wa, we, wi, wo ,wu, respectivamente.
Extracto do parecer do Instituto de Línguas Nacionais da República de
Angola, datado de 7 de Maio de 2000, In «O Livro das Adivinhas Angolanas»,
Luanda, União dos Escritores Angolanos (2006: 17).
………………………..
Umbundu
Ku vana vasole okukwama ndomo casesamenla okusoneha alimi vetu vo Ngola,
tambuli esapulo lyatunda ko Instituto de Línguas Nacionais
Ndomo cilekisa ocihandeleko cesoneho kwalimi vutundasonde vo feka yo
Angola (Ukanda wo cisoko capalanga, letendelo 3/87, cina cakisika, ndevelo lyo
kuseteka, onjila yokutaya kwalimi vasoka epandu, ndeci o Kikongo, Kimbundu,
Cokwe, Umbundu, Mbunda kwenda o Kwanyama), epañiyo lyetu lyeli okuti:
— nda o “i” yakwamiwa lo “a, e, i, o, u” tukapa po o “y”, ndoco: ya,
ye, yi, yo, yu;
— nda o “u” yakwamiwa lo “a, e, i, o, u” tukapa po o “w”, ndoco: wa,
we, wi, wo, wu;
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
"Palpitam-me/ os sons do batuque/ e os ritmos melancólicos do blue// Ó negro esfarrapado do Harlem/ ó dançarino de Chicago/ ó negro servidor do South/ Ó negro de África/ negros de todo o mundo/ eu junto ao vosso canto/ a minha pobre voz/ os meus humildes ritmos". - (Agostinho Neto. Voz do sangue, in Renúncia impossível).
Ouvi a música logo que voltei da viagem de intercâmbio a convite do Departamento de Estado nos EUA (2010), e a música, bela pela voz dos Cafala Brothers e apaixonante pelo rítmo da viola, tocou-me ainda mais pela melancolia da letra. A dor de uma eterna subjugação de um povo, os mesmos de sempre abaixo da linha "dos padrões"... Não sabia que era de Agostinho Neto, só hoje vi, graças a Jomo Fortunato, In Semanário Angolensehttp://semanario-angolense .com/home/semanario_angole nse_433.pdf
sábado, 10 de setembro de 2011
Biblioteca Don Bosco enaltece literatura angolana em véspera de abertura
Ir. Máximo e repórter Zé Luis |
A
Escola Don Bosco, projecto multidisciplinar afecto à Igreja Católica,
fez questão de comprar cada um dos 85 títulos expostos na feira do livro promovida
pela União dos Escritores angolanos com o apoio do programa “Aiué Sábado”, no
quintal da Rádio Morena Comercial, este sábado (10/9), na cidade de Benguela.
Os
livros são para a biblioteca em fase final de construção naquela escola. “Tem que ser uma referência de biblioteca
da literatura angolana”, referiu o Ir. Maximo Herrera, missionário
argentino, quando investia os 87 mil kwanzas nos livros. “O nosso papel é aproximar os artistas e público, neste caso, levamos
os artistas à comunidade, através de seus livros”, acrescentou.
Ir. Maximo Herrera e Gociante Patissa |
Aberto
há dez anos no Bairro dos Navegantes, zona B, que compreende os subúrbios a sul
da Vala do Coringe, o Centro Don Bosco tem actualmente cursos de informática, autocad,
alfabetização, educação física, sala de vídeo e mecânica.
Gociante
Patissa
Rádio Morena e UEA aproximam público aos livros
85
títulos de autores angolanos foram disponibilizados, hoje (10/9), para consulta
e comercialização no quintal da Rádio Morena Comercial, na cidade de Benguela, uma
iniciativa da União dos Escritores Angolanos (UEA) com o apoio da Rádio Morena
Comercial (RMC).
M. Macedo e DJ Ângelo |
Os
custos variaram entre os 300 e 4 mil kwanzas. Nos estilos poesia, romance,
ensaio e contos, esta última categoria abarcando também literatura infantil,
todos os livros têm chancela da UEA na condição de editora.
A
feira elevou o programa “Aiué Sábado”, conduzido por Machado de Macedo, na
sequência da mesa redonda da semana anterior, que se debruçou sobre o estado da
literatura em Angola. Entre críticas e sugestões, havia ficado a promessa de
facilitar o acesso aos livros, através da montagem de uma banca com pelo menos
500 exemplares.
P. Russa e candidatas a Miss Benguela 2011 |
Encabeçado
pela escritora Paula Russa, o Núcleo Provincial de Benguela da UEA integra ainda
dois outros membros, os escritores ArJaGo e Gociante Patissa.
Angodebates.
terça-feira, 6 de setembro de 2011
Opinião: África não tem que negar-se a si em nome do cristianismo
O
presente texto surge a propósito de uma reportagem de Gabriel Veloso (Rádio
Luanda, 01/09/11) sobre nomes e alcunhas. A peça analisou as implicações
sociais da identidade do indivíduo, a partir da semiótica. Falaram um cristão,
um sociólogo e um jurista. São de elogiar trabalhos jornalísticos do género, e mal
não fariam em incluir um antropólogo.
Uns
de raiz tradicional, outros baseados em adjectivos e mitos. Assim é o vasto
mosaico de nomes, num país com 17 milhões de habitantes (70% cristãos), e pelo menos oito
grupos etnolinguísticos de matriz Bantu, sem esquecer os Khoisan, pré Bantu, e os de origem ocidental.
O
cristão recomendou para a escolha de nomes positivos, pois estes podem
determinar o carácter, a personalidade e o futuro. Para impor a
fórmula, socorreu-se da bíblia, onde a figura de Jacob acaba sendo enganadora, conforme
o significado do nome. Falou até em genética, ilustrando que se dermos à
criança nome de um familiar que tenha sido bruxo ou feiticeiro, o será de
certeza. O «Azarado» tem uma vida de azares. Os que se chamam Mãezinha ou Paizinho
sentir-se-ão inferiores para o resto da vida, asseverou.
O
sociólogo estabeleceu uma relação de «causa - efeito» mais no sentido da
chacota de que o nome pode ser alvo, levando como tal o indivíduo a sentir-se
pouco à vontade no seu meio. Por sua vez o jurista disse não haver impedimentos
quanto ao registo de nomes tidos como caricatos, oriundos da sociedade angolana,
como é óbvio, com uma ou outra excepção. O alerta do crivo recai para nomes estrangeiros.
Via
de regra, na formação dos nomes oficiais vem primeiro o de baptismo (bíblico, ocidental), seguido do nome de família (ou ao menos nativo). Há,
entretanto, o inverso da regra entre os bakongo, na região norte de Angola. Um interessante artigo sob o título «Os
nomes ou cognóminos Kikongos» circulou
em alguns portais, da autoria do auto-assumido tradicionalista, Makuta Nkondo. Também
publicamos (aqui
e aqui)
o contributo do livro «O Meu Pai», de Avelino Sayango, na divulgação
da tradição Ovimbundu.
O
cristão foi de um maniqueísmo da era medieval, caracterizada por uma civilização
cristã cega de etnocentrismo. Não se aceita, neste século XXI, que fazedor de
opinião que se preze exale tamanha leviandade. Mesmo que não se trate de
invenção sua, há que deixar claro o que é senso comum e/ou mito, e não vendê-los
capciosamente como verdades acabadas.
Um
historiador amigo lamentou que a “cultura” cristã siga dando pouca oportunidade
à percepção da rica cultura material do povo Bakongo, onde até os instrumentos
musicais (masikilo) são associados à
feitiçaria. De tal sorte que a marimba e o kisanji não podem tocar num templo,
lugar exclusivo do piano e guitarra.
Não
haja dúvidas, um cristianismo que ignore a antropologia e seu enquadramento com
a modernidade corre o risco de se desconhecer a si próprio, porque é sem
memória.
Gociante
Patissa, Luanda-Benguela, 01-06/09/11
sábado, 3 de setembro de 2011
Tive contacto com a cantora Edzila, com quem partilhamos o quintal da Rádio Morena, Benguela, enquanto entrevistados do programa cultural "Aiwé, Sábado". Ela falou da sua vinda para participar no show de Cubano Amado. Foi de fácil trato, inclusive com um miudinho que ao passar por ela pediu para lhe fotografar com o telemóvel. Votos de êxitos como pessoa e como cantora!
Passeando pelo Museu Nacional de História Natural, em Luanda, na manhã de 01 de Setembro de 2011. Está aberto de 3ª feira a domingo, cobrando por entrada a adultos 100kz (1 dólar US). Visitas guiadas só mediante solicitação por escrito, com uma semana de antecedência. Gostei do passeio
O funcionário que me atendeu disse que eu tinha direito a tirar duas fotos no andar de baixo e duas no de cima. Não sei porquê, mas acho que desobedeci. Ficou fácil por não haver, naquele dia, um guia turístico. Mas creio que eles podem condescender, afinal é parte da nossa história. Mais fotos no facebook https://www.facebook.com/media/set/?set=a.1942121958155.2098802.1395632665
Gociante Patissa
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
História de África: A figura da Rainha Nzinga realçada, mais uma vez, em Paris
Este destaque foi feito no último número da revista bilingue “Latitudes. Cahiers Lusophones”, publicação editada na capital francesa. O relevo sobre a Dupla Soberana foi efectuado graças a uma notável resenha do prolífico historiador angolano, Simao Souindoula, da obra “Njinga, Reine d’ Angola. La relation d’ Antonio Cavazzi de Montecuccolo (1687) e a reprodução, na contra-capa, do magnifico pseudo-retrato da “Queen Warrior”, realizada, em 1830, pelo desenhador do Hexágono, Achille Deveria.
A fim de chamar a atenção dos leitores sobre a recensão da preciosa relação do capuchinho italiano e a outras contribuições, o editor da revista mencionou, na capa da revista, nomes do especialista angolano ao lado de estudiosos do mundo lusófono tais como o português Pires Laranjeira ou o moçambicano Mia Couto.
Nesta resenha, redigida em francês, o perito angolano da UNESCO põe em relevo a principal característica da crónica de Fra Giovanni, publicada, recentemente em Paris, numa versão tirada, ad litteram, do manuscrito original do confessor da “Ngola” do Ndongo (1623) e da Matamba (1630), “hand written” perdido, durante quase três séculos, e que foi reencontrado, anos atrás, na cidade italiana de Modene, na biblioteca da família Araldi.
Simao Souindoula indica as principais articulações do “manoscritti” traduzido e comentado por Xavier de Castro e Alix du Cheyron d’Abzac, os importantes documentos históricos bem elucidativos, anexados, tais como a famosa carta da “Regina Ginga” endereçada ao Governador da Colónia de Angola, Dom Luís Martins de Sousa Chicorro, as iconografias reproduzidas, os mapas inseridos, o quadro cronológico da evolução dos acontecimentos na região e as esclarecedoras notas dos editores.
O memorialista aponta as causas das reservas emitidas, as supressões decididas e o atraso registado na publicação da relação de Cavazzi, no século XVII, pela Propaganda Fide.
Ele traça um perfil intelectual e psicológico do padre italiano, que a inteligente Kiluanje de Matamba utilizou na sua luta psicológica contra a cancerosa Colónia de Angola.
Enfim, Souindoula aponta o contributo da publicação da Relação, não amputada, do capuchinho que permite de apreciar com mais dados, a personalidade da Nzinga van Matamba.