Sobrevoar o Lubango, nesta época de chuvas, até compensa as trepidações, típicas em zonas montanhosas. E naquela bacia que se fez cidade, melhor ainda nos arredores, estende-se um verde de lavar a alma. A vegetação, qual ladrilho intervalado por pequenas picadas e riachos, dá promessas da imensidão da Angola por desflorar. Do outro lado, bem na Serra da Chela plantado, está o Cristo Rei de braços abertos, a estátua que se confunde com o simbolismo do lugar.
Pena é o prazer ser breve para passageiros em trânsito. Seguíamos para Luanda em serviço, uma viagem arranjada num estalar de dedos. Pouco menos de hora e meia tivemos para preparar almas e malas, mas, enfim… E calhou haver vaga na classe executiva, o que me isolou da restante equipa. Companhia também não me faltaria, com tanto que tem para ler quem anda atrasado na elaboração da tese de licenciatura, isso, para já não falar da fome e o impacto dela à paciência.
Quanto mais o bicho se distanciasse da recente paragem, mais se diluía a memória do poiso que em nada foi suave. Quase uma hora depois, escancarava-se Luanda, com aquela aura de desordem, onde os tectos, do alto vistos, se assemelham a um puzzle. E o caos de óptica aumenta de tamanho com a perda da altitude. Enquanto a tripulação anuncia para dentro de instantes a aterragem, o subconsciente dá por encerrada a viagem e calmo o voo. Engano.
Lá atrás, nas primeiras filas da classe económica, nasce uma estridente choradeira. O que a hospedeira encontra é uma conterrânea, algo alcoolizada, a quem o companheiro acabava de indicar o cemitério onde repousaria, naquela semana, o pai. O consolo tem efeito inverso, e nos minutos que antecedem ao desembarque, a passageira transforma o avião em velório. Ninguém, que eu tenha notado, manifestou abertamente o que sentia. Quanto a mim, a cena remeteu a um facto recente, envolvendo a morte do pai de um empresário angolano.
Falecido nas Europas, o empresário assegurou um enterro condigno ao progenitor, fretando aeronave de grande porte em ligação directa para o aeroporto da Catumbela, carros funerários trazidos de Luanda. O que soou um tanto bizarro foi ver no Jornal de Angola, concretamente na secção de publicidade (paga, creio, diferente do serviço de necrologia), a reportagem fotográfica do cortejo. E dizia uma legenda: «a vila da Catumbela parou para assistir ao funeral do senhor…» Bem, não estou bem a ver uma vila, que até tem dois cemitérios, a parar em tal circunstância.
Sendo também um órfão de pai, não sugerirei qualquer ciência para enquadrar a (manifestação da) emoção da perda, mas vale certamente o bom senso na hora honrarmos um ente querido.
Voltando à viagem… Pelo menos desta vez, não sentimos o stress luandense, uma vez que estivemos hospedados bem ao lado do local da formação. A viagem de regresso é pela costa, escoltados pelo oceano e suas reentranças e as saliências, culminando com a cintura verde da antiga Açucareira 1º de Maio.
Gociante Patissa, Aeroporto da Catumbela, 12 Abril 2011
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