Um ano depois, ficamos a saber, já com aquela inofensiva – sem deixar de ser sádica – alegria, que a ministra tinha sido exonerada. As razões à volta do facto eram-nos irrelevantes (mas explico lá mais adiante porquê).
Hoje, pouco antes das 18h00, visitei a residência sede da Rádio Ecclesia, na cidade de Benguela, bem ao lado do Bispado, como não fazia há seis anos. Foi preciso algum esforço para disfarçar os sorrisos de nostalgia, no mínimo, para não ser tomado por um visitante emparvecido, como sempre acontece quando alguém esbanja alegria sem contextualizar os “vizinhos”. Foi como se um balão do tempo me fizesse mergulhar aos bons anos de convivência. Nomes, momentos e jocosidades brotaram. Depois veio a noção da ausência, como que a escorregar entre os dedos. O tempo é assim mesmo, tem das suas: um dia aproxima-nos, outro dia manda-nos para hemisférios desencontrados, desgastando os afectos.
2004. Uma inusitada empatia unia-nos, quando o normal seria, provavelmente, nos vermos como rivais, uma vez concorrentes. Uns mais dotados que outros, havia também os que precisavam mais do emprego que outros, mas nada estragava o bom humor. Éramos cerca de dez jovens, anónimos por assim dizer, durante três meses de triagem para redactores-repórteres-noticiaristas, no contexto da iminente abertura da Ecclesia em Benguela (que acabou por não acontecer, por imperativos legais – no consulado do ministro da Comunicação Social Hendrick Vaal Neto. Até hoje está por sair a licença de emissão).
Bom, voltando à Ministra… A primeira parte dos testes foi ler, com aquela vaidade que se espera de locutor. Para a nossa pouca sorte, o texto era de uma revista, com aqueles luxos já esperados, muito brilho e excesso de maquilhagem nas fotos e tal, que só atrapalha, mesmo até por causa do reflexo da lâmpada fluorescente. Era só soletrar e engasgar-se que chega, fariamos mais como?!… O Zé Manel e o Padre Samy deviam ser uns bons ardilosos, sabiam que aquilo lá nunca foi texto feliz para rádio. A matéria tinha a ver com a viagem que uma ministra santomense, Maria das Neves, fizera a Portugal, onde aparecia em poses bué, vestes pretas com meias compridas, visivelmente caras. Por acaso achávamos que, se era para inspirar um texto de desgraçar o teste dos outros, podia muito bem não viajar. Ela estava bem na vida, com formação, cargo e dinheiro, enquanto nós travávamos na jante…
Depois, de azar em azar, a maka veio a estar também numa tal de dicção, não apenas na complexidade do texto. Afinal já não podíamos dizer /tomé/, tinha que ser /tumé/, e nós que nunca na vida chamamos alguém assim. Ah, porque /f’char/ as vogais. Mas que mal têm elas, as vogais, para agora andarem fe-cha-das?! É só já aceitar, vamos fazer mais como?!… Enfim, cada um que fosse à cabine, voltava aborrecido, com raiva da ministra.
Superada essa etapa, que levou muitos candidatos ao caminho de volta para casa, recordávamos a cena para rirmos das nossas dificuldades iniciais. Foi por isso que, mesmo que não nos tenha feito mal algum de forma objectiva, passamos a nutrir antipatia pela ministra, que mais tarde se ouviu metida em acusações de corrupção. Quando soubemos da sua exoneração… foi mais um pretexto para rir, rir e rir, com aquela sensação de triunfo.
Gociante Patissa, Benguela, 27 Dezembro 2010
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