Quem vestiu de tristeza o mar, que não lhe viu o nobre azul do sangue?
Este exercício que o Blog Angodebates faz surge depois que o seu editor tomou contacto com um poema que coincide em título e tema com outro de sua lavra. Em ambos os casos, os observadores parecem ver no mar um ombro para desabafar e retemperar forças.
Certa é a imensidão de ângulos para se falar da relação entre Angola e Brasil. Estas duas ex-colónias portuguesas e banhadas pelo oceano atlântico – um factor que tanto as separa fisicamente, como logo as une afectivamente – têm, para além da língua, várias semelhanças no sentir, pensar e olhar o mundo.
Contemplação
(António Nunes “Tonton”, In III Antologia de Poetas Lusófonos, Pág. 63, Folheto Edições e Design, Leiria, Portugal 2010)
Um dia eu quis descrever o mar,
Mas descrever em toda a sua grandiosidade,
Suas ondas, seus peixes e pescadores,
Fiquei pensando: Por onde?
Não sabia começar,
Se escolhia o mais belo,
Se o descrevia correctamente
Não sabia começar,
Decidi fazer julgamento minucioso,
Não soube aquilatar para dar fim à indecisão,
Fui ao mar,
Para apurar o que de mais belo deveria ser,
E… fiquei por lá,
Sem nada (a) escrever,
… apenas a admirar.
Elaborado a 7 de Julho de 1988
_____________________________________________________________
Contemplação
(Gociante Patissa, In Consulado do Vazio, Pág. 41, KAT Consultoria e Empreendimento, Benguela, Angola 2008)
Contemplei a equação da calema
um tanto brava
e ao mesmo tempo de toques ternos
afaguei as águas que no vai-e-vem
talvez química biologia – não sei
conservavam o eterno frio sob azul
Li em cada movimento um verso
descontraído ajoelhado
como se a rezar o terço
mas a vida não é como o mar
tem escala relógio e bumbar
e tive de zarpar
Elaborado no Lobito entre 1996-2001
Quanto ao poema de Gociante Patissa, quando em 1996 frequentava o 1º Ano do Curso Pré Universitário, houve um dia em que ele e uns colegas passaram pela praia. Alguma coisa foi rabiscada, tendo em 2001 ganho o título “Quanta calma”. De cinco versos, veio a ficar com os actuais, os mais profundos na óptica do editor, que refez o título a partir da primeira linha.
António Nunes (Tonton), diz curta nota biográfica, é feliz, casado, vive em Recife (Pernambuco-Brasil) e é tão comum e tão diferente como qualquer um de nós. Engenheiro por formação, professor universitário por vocação e escritor por paixão. Premiado como contista e na categoria de literatura infantil pela Academia Pernambucana de Letras (2009 e 2010).
Voltando à questão de abertura, quem vestiu de tristeza o mar, que não lhe viu o azul do sangue? Ou especulando, por que razão os Ovimbundu (e outros grupos etnolinguísticos de origem Bantu) deram ao mar o nome de “Kalunga”, a mesma palavra que significa morte? Será apenas da natureza do mar, ou é lágrima pelo número que se tornou incontável de seus filhos que desapareceram pelo mar, vendidos como escravos para refundar o Brasil e outras Américas de vão suor?
4 Deixe o seu comentário:
Contemplar, um verbo para o mar, para amar, para dar. Tua questão/contemplação causou desde o sorriso, leve, até uma lágrima a espreitar. Para o mar :)
kandandu carinhoso
Olá Patissa,
obrigada amigo por me fazeres reler um texto de um belo livro que faz parte da minha biblioteca.
Um beijo.
Oi Kanu, "Contemplar, um verbo para o mar, para amar, para dar"? Ficou realmente mais completo e cheio de vida.Kandandu e bom fim de semana (que aqui é prolongado)
Olá Alma Inquieta, fico-lhe outra vez grato pelo gesto. Êxitos para o Direito.
Enviar um comentário