O embarque estava marcado para as 7h00 da manhã no voo mono-motor da SAL (Sociedade de Aviação Ligeira). Já não recordo se o trio partira do Lobito em “caravana”, ou se o combino foi apenas encontrar-se no aeroporto 17 de Setembro, Benguela. O mês era Junho, 2001. Cambele, Bráulio e eu estávamos como tal devidamente agasalhados.
Neste relato, Cambele, ironicamente o kambuta do grupo, vem em primeiro lugar, não obstante o B, de Bráulio, vir antes na ordem alfabética. Ansiedade, entusiasmo e doses de traquinice recheavam a nossa bagagem. Aguardavam-nos 15 dias em Luanda para o workshop sobre Coligação e Advocacia em Direitos Humanos, dirigido por expert americano, pela World Learning. Cambele ia pelo Projecto (hoje Associação) Omunga, apêndice da Okutiuka. Bráulio era da ADAMA (Defensores e Amigos do Ambiente), e eu da AJS, ainda em embrião.
Cambele ficou líder do grupo e deu conta do recado! (Diz-se que os kambutas têm que passar em frente e falar alto, ou ficam esquecidos, né?!) Bráulio, amante de motorizadas e atleta de patinagem com experiência e cicatrizes mil, esse sim, conhecia, tem até familiares na ilha. Eu conhecia a capital, como a maioria de vocês, pelos livros e TV.
Com o avião já na placa, veio a notícia de não embarcarmos por causa da situação militar. Mas como assim, ó Cambele?! Vocês são de 78 e não têm adiamentos. Sim, mas a culpa não é nossa, é o Ministério da Defesa que não nos quer renovar os talões de recenseamento! Yá, o pessoal da DEFA não carimbou os vossos bilhetes. Mas a viagem é interna!!! Então só tu podes ir? Em princípio sim, disse, constrangido. O chefe do grupo era apenas mais-velho de um ano. As horas começavam a acelerar o passo. O desespero ruía-nos o peito. O workshop iniciaria no dia seguinte, portanto qualquer substituição já vinha tarde. O único consolo era o sorriso de empatia do pessoal da Escala. Lá foi outra vez o Cambele abordar os conterras da DEFA, afiando os termos de aprendiz de activismo cívico e ex-seminarista, e resultou. Ai, que susto!
Num momento fecham a porta, ainda na província, e quando a abrem já é capital, nós no Bona. Dupla inauguração: é que, também, só conhecia o interior do avião pelos filmes. Mas não era tudo. Fomos acomodados, qual gente que presta, numa pensão, ao Mártires de Kifangondo. Até então, só doente dormia em outra cama, no caso, na sala do anexo de minha mãe. Tudo isso era pouco. Não é que arranjaram eclipse solar e tudo para as nossas boas-vindas...?!
Quinzena memorável, pelo aprendizado e pela interacção, às vezes importunada pela traquinice da idade que trazíamos na bagagem. Ainda bem que foi oportuno o devido puxão de orelhas. E de vez em quando, para a minha alegria revejo alguns colegas de lá, que nos invadem as telas, pelo poder, Direitos Humanos, pela arte, ou pela oposição: Otília Noloty (administradora municipal da Chibia, na Huila), Helda (candidata à liderança do braço juvenil da Unita), Nany Pereira (Elinga Teatro), Fridolim Kamolakamwe (poeta-declamador), W. Pinto Leite (Bloco Democrático, ex-FPD), Abelardo (série Papá Ngulu), Lúcia (AJPD), etc.
Os churrascos da Fanta bem que deram jeito a poupar o kumbú dos per diem, que não sobreviveria à frequência integral a restaurantes de luxo. Não deixou de ser curioso o vibrar de viaturas na escuridão da noite na ilha, mas não vou ser eu a dizer-vos o que casais faziam xinguilados lá dentro em horário da camisinha. Bom, e lá conheci a capital. Luanda, digo após idas e vindas, é melhor a olho nu. No papel ou TV é linda, bronzeada, acolhedora, musa, mas lhe falta cheiro, o cheiro da razão ou da vergonha.
Gociante Patissa, Lobito, 19 Julho 2010
4 Deixe o seu comentário:
É verdade Amigo Patissa!
Pela Tv ou pelas revistas é lindo, mas como dizes, e muito bem, lhe falta cheiro que faz de África diferente de tudo o resto que conheço!
Que saudades!
Um beijo e que tenhas uma excelente semana!
Olá, amiga AI. Boa sema para ti e mais próximos também. Abraços!
Patissa
Ás vezes...só é preciso estar presente...mais nada! Entendes?
Beijo amigo
Graça
Oi, amiga Graça, entendo, sim. Mas a pereira do teu Blog lá continua a flirir a graça herdada da tua pena activa. Outro beijo amigo daqui.
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