A sala de desembarque do aeroporto, aos poucos, vai ficando agitada. Lá fora o sol esforça-se a desafiar as nuvens, mas em vão. Quando a noite decide chegar, não há quem a faça voltar atrás.
Um cheiro incómodo impera na sala (como que a peixe semi-estragado no frigorífico), mas pouca diferença faz para os passageiros, aliás, tudo o que se quer é pegar na bagagem e sair... para enfrentar o engarrafamento e a "rabugice" social luandenses.
Enquanto o tapete rolante não traz a bagagem, um ou outro "pax" sai da sala por uns instantes para "beijar" o cigarro, e logo à saída depara-se com os pregões desencontrados dos taxistas (até porque nem todos têm familiares com carro e disponíveis para os virem recolher).
E parecia não ser um dia de sorte para os taxistas, que mostravam já comportamentos algo inconvenientes, impacientados talvez pelo receio de darem com o fracasso… justamente no último voo do dia. É sexta-feira e, convenhamos, faz bem a todo o mundo levantar da cama, na manhã de sábado, com alguns trocos no bolso.
Minha companheira de viagem e eu tivemos a sorte de não despachar bagagem, não dependendo por isso do tapete rolante. Restava-nos aguardar pela boleia dos anfitriões, queimando o tempo com aguçada observação a pequenos eventos à nossa volta (em Luanda tudo é evento, tal é a imprevisibilidade com que os mais bizarros fenómenos ocorrem).
Às tantas, sai pela porta uma moça acompanhada de duas crianças. Primeiro, ela “liga” o seu cigarro e, seguidamente, pega no telemóvel e liga para avisar que já chegou (em Luanda, nunca é demais pressionar sempre). Nervosa, ou se calhar nem por isso, atira a “biata” ao chão, acicatando a reprovação dos taxistas:
– Ó moça, é assim que suja a cidade?! Apanha lá o cigarro, pa!, condenava um.
– Essa bodega eu digo não, essa bodega eu digo não!, dizia outro, com rapidez típica de hip hop.
– Apanha lá isso, pá! Isso no tempo do meu marechal… isso no tempo do meu general..., acrescentava o terceiro em tom de nostalgia pouco natural, deixando inferir que citava alguém.
Que linguagem estariam a usar, seria de ku-duro? Eis que, num breve bate-papo, sou esclarecido de que imitavam um radialista (Jojó) do programa “Ndjando” que passaria “amanhã, 9h30, na Despertar [com ligação à Unita]”. Comovido pela campanha, acordei ávido a escutar (com ouvidos de aprender) o espaço, que “roubou” o nome a uma dança tradicional da etnia Ovimbundu. Contra o que imaginava, não era programa cultural, mas de uma linha com contundente crítica social, segundo o apresentador, apresentado factos do quotidiano com sátira social e humor à mistura. Custou-me definir o género jornalístico, é verdade, de tão “híbrido” que é.
Como estudante de linguística, estimula-me sempre estar em Luanda por causa da multiplicação de fenómenos no linguajar popular. Já no outro dia, ouvi um taxista de Hiace a dizer que “o carro do outro andou a ngongar [de ngongo=sofrer] cinco dias na polícia”, e que certo polícia já lhe “poeirou” duas vezes, pelo que já “num [não] queria confiança”.
Que linguagem estariam a usar, seria de ku-duro? Eis que, num breve bate-papo, sou esclarecido de que imitavam um radialista (Jojó) do programa “Ndjando” que passaria “amanhã, 9h30, na Despertar [com ligação à Unita]”. Comovido pela campanha, acordei ávido a escutar (com ouvidos de aprender) o espaço, que “roubou” o nome a uma dança tradicional da etnia Ovimbundu. Contra o que imaginava, não era programa cultural, mas de uma linha com contundente crítica social, segundo o apresentador, apresentado factos do quotidiano com sátira social e humor à mistura. Custou-me definir o género jornalístico, é verdade, de tão “híbrido” que é.
Como estudante de linguística, estimula-me sempre estar em Luanda por causa da multiplicação de fenómenos no linguajar popular. Já no outro dia, ouvi um taxista de Hiace a dizer que “o carro do outro andou a ngongar [de ngongo=sofrer] cinco dias na polícia”, e que certo polícia já lhe “poeirou” duas vezes, pelo que já “num [não] queria confiança”.
E já como radialista autodidacta, digo que, de facto, não há nada melhor que estar em Luanda para sondar a diversidade/discrepância radiofónica angolana, numa cidade com mais de oito estações, sendo pelo menos quatro rádios privadas (Ecclesia, Despertar, LAC, Mais).
Gociante Patissa, Novembro 2009
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Bela cronica!:)
Bjs
Luanda é um fantástico laboratório de sociolinguística e felizmente brindas-nos com tuas descobertas :)
Obrigado, Dulce pelo amparo.Sei que te devo um endereço postal para o livro "Sabor de Maboque"... espera só mais um pouco, que dentro de um mês terei, espero só que não esgote o book. Tenho acompanhado pelo teu blog (e parabenizo-te, desde já pelo) teu jeito com marketing.
À Kanuthya, outro abraço. Seria de facto "ngongar" não contar com a tua amizade...
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