Depois de muito procurar pelo célebre "Quem me dera ser onda", da autoria de Manuel Rui Monteiro, eis que descobrimos uma livraria na cidade de Luanda. Trata-se da Livraria Lello. É uma versão bilingue Português/Umbundu, de 147 páginas, com tradução do filósofo (e não historiador segundo correcção recebida de um dos nossos leitores) Jaka Jamba, com a chancela da Editorial Nzila, Setembro de 2000.
“Matrimónio Venerado” é título de obra literária, cujo lançamento ocorreu na quinta-feira (29/10) em Luanda. Da autoria de Isaac Pacheco “Macumbumdu da Graça” (à direita na foto), que se estreia embora esclareça não se tratar do primeiro manuscrito da sua lavra, o livro tem seis capítulos e 30 páginas, com edição independente.
Curioso, o Blog Angodebates perguntou se o autor já passou pelo matrimónio. «Não passei. Mas como objecto de ficção podemos ter uma ideia do que é matrimónio», referiu Isaac Pacheco, para a seguir acrescentar, «o romance retrata a vida conjugal, parte de alguns princípios: o namoro, o noivado, até ao matrimónio. Exactamente queremos apresentar frutos daqueles matrimónios que já existem».
A apresentação do livro esteve a cargo do escritor Carlos Pedro (CP), que é Coordenador de actividades da Brigada Jovem de Literatura.
de uma forma recreada, reflexiva, como manda a regra da literatura, a regra implícita. O autor faz uma incursão daquilo que é o matrimónio cristão e não cristão. Na sua visão, [o primeiro] é ideal se quisermos ter uma família mais saudável, com harmonia. É uma obra importante porque é um género que poucos jovens têm estado a cultivar, comparativamente com a poesia», considerou CP. «É uma obra actual, retrata um tema muito apelativo
CP revelou que pelo menos dez jovens escritores estrearam-se este ano, safra superior a do ano anterior, o que vê com um misto de agrado e preocupação.
«Apela-se aqui aos críticos para poderem fazer um estudo de uma nova geração que já surgiu. Portanto, seleccionar os livros, fazerem uma abordagem, para vermos então como vai o estado da literatura angolana com o surgimento destes novos».
Era para ser inesquecível, e o foi (apesar de tudo). O reencontro é, ou seja costuma ser, mesmo nas mais adversas circunstâncias, uma emoção positiva.
D. Makiadi Maria atravessava a fronteira na companhia da família, uma filha e duas netas, cujo pai, que era suposto ser genro, nunca chegou a conhecer. Mas para quê falar dele agora, se só é homem quem está presente?! Viúva de marido e de genro fugidio.
Ao partir para a sua segunda pátria, plantara a semente da esperança. Por isso, adorava a vida no estrangeiro. Não porque se sentisse realizada, mas simplesmente porque sonhava voltar à terra, quando despertasse no coração dos homens o lado mãe.
Quem é camponês onde nasce, o é em qualquer parte… se não de corpo, pelo menos de alma, sendo que, no entender da experiente D. Maria, lavrar a terra é das mais limpas profissões, as que não atraem políticos. Aliás, ela sempre teve mau pressentimento em relação aos políticos, e estava certa… se calhar.
No fundo, o que incomoda as pessoas não é tanto dos actos animais, mas a sua própria impotência perante estes. De tal forma que, aconteça o que acontecer, a imagem daquilo que nos é sublime permanece sempre viva no tesouro da memória.
D. Makiadi Maria, por exemplo, guardava na memória uma imagem adolescente do Uíge, quer enquanto cidade, quer enquanto berço da sua gente, suas raízes. Muito café, muito algodão, muita educação à sombra da mulembeira.
Essa imagem, obviamente, remetia-a aos tempos de mocidade. De repente, ela deixa de sentir a dor dos pés inchados pela caminhada, pois o subconsciente percorria, despreocupado e veloz, as artérias da cidade… correr, com a sensação de voar!
– QUEM TEM CRIANÇAS, VAI À DIREITA! – ordenava o técnico do Ministério da Reinserção Social – ESTÁS A OUVIR, Ó MAIS-VELHA?
Nesse instante, D. Makiadi acorda do sonho em que andava embalada em pé e reencarna a condição de angolana expulsa da Republica Democrática do Congo após 40 anos. A roupa que cada membro da família trazia no corpo era tudo o que aconseguiram salvar.
Várias famílias partilham o mesmo drama, o de não saberem o que fazer no dia seguinte. Enquanto isso, os políticos apertam os braços… de desculpas e entendimento diplomático. O que vem a seguir para os da base da pirâmide, D. Maria ainda não sabe, e talvez não seja a única.
"Pobres políticos… haverá geração melhor?”, indaga-se a velha no silêncio.
Gociante Patissa, Luanda 27 de Outubro de 2009 PS: Adaptação do texto/exercício com vírgulas improvisado na prova de Português na Universidade-ISCED
Uma semana nos cornos, a primeira, porém não a última (Foto1 - Restinga do Lobito, foto2-representação em miniatura do abrigo e locomoção, foto3-não direi)...
Numa aula de língua portuguesa, a professora desafia a turma: - Então, meninos, quero que inventem um verso com rima. Passados alguns minutos, lá surgia o rápido Joãozinho com uma:
“O Cangurú leva flores no cú”
- Ah, Joãozinho, esse verso não fica bem, arranja outro. “O Cangurú leva flores na bochecha…”
- Ah, menino, mas assim não tem rima… - Calma, professora, que ainda não acabei. Então é assim:
“O Cangurú leva flores na bochecha…” só não as leva no cú porque a professora não deixa”
(*) piada recebida do amigo Martinho Bangula, que a foi desenterrar sei lá aonde.
Depois de muito, mas muito tempo com os olhos parcialmente vendados por uma lei da força chamada colonização, os habitantes de certa localidade viriam agitar as águas. Entre outras coisas, que só os olhos libertos podem alcançar, notaram que havia algo mais belo que espreitar o sol às escondidas, era ver a lua, a elegância de uma lua que anda. E baptizaram a sua cidade de Luanda.
Os que odeiam Luanda como cidade são muitos, e estão certos. As pessoas que a amam não são poucas, e estão igualmente certas. Aqueles a quem Luanda não aquece nem arrefece são vários e têm razão. É que Luanda é um acabado exemplo de contraste, assim entende Man’Toy, um cidadão nosso que se vê obrigado a viver uns dias longe do sul. Enquanto reflecte, vê passar um Jeep X-5 atrás de um Starlet Bebucho, sendo evidente no rosto de cada condutor elevada auto-estima.
Era domingo. Man’Toy desembarcava do autocarro à noitinha, e nada indicava que o frenesim no parque fosse terminar, como seria normal após a hora do jantar. De facto, Luanda não dorme.
A cidade é vasta e com muitas ruas parecidas, o que a torna difícil de dominar. Man’Toy porém conhece um segredo, que não se estuda nem se encontra em folhetos turísticos. Conhecer Luanda passa por dominar as rotas dos táxis (candongueiros). O compatriota enfia-se no candongueiro certo e hospeda-se numa Pensão, ao bairro do Mártires de Kifangondo. O local já teve preço bem mais acessível, mas não resistiu à moda da especulação. Mas que remédio…
Meia-noite no relógio e Man’Toy não conseguia pregar o olho, tal era o som ensurdecedor da casa ao lado! Alta farra para comemorar aniversário de bebé. Aliás, já foi dito, Luanda não dorme, pena é que nem sempre o motivo seja trabalho. Há quem leve a vida apenas a cantar, a dançar, e beber… Óbitos e aniversários não faltam, aliás, enquanto o fim-de-semana não chega para se “cair na noite”, de si já quase uma “religião”. Do outro lado da rua, guardas fazendo finca-pé ao sono, porque há quem também não dorme, na ânsia de uma oportunidade para roubar. Man’Toy sai para ver a beleza da lua que anda. Na portaria, depara-se com quatro mulheres de maquilhagem exagerada. E o guarda dissipa as dúvidas: “Chefe, vai uma fruta?” Para as prostitutas, era uma noite normal de serviço, já para Man’Toy um choque. “Fruta, não”, disse, e voltou ao quarto.
Que fazia então Man’Toy em Luanda? Ele considera-se um conservador moderado. Vive argumentado que conservador moderado é aquele que, não concordando com certas mudanças, usa o poder da máquina fotográfica para guardar memórias. Umas vezes fotografa por prazer, mas geralmente é por protesto. Assim é que tomou a iniciativa de ir aos Estados Unidos para fotografar Barack Obama na Casa Branca, antes que uma mudança repentina altere a ordem das coisas. Dois anos de salário acumulado cobrem a passagem. A questão era apenas a obtenção do visto.
Lá chega à Embaixada 20 minutos antes das 8h. Alguns segundos são suficientes para apreciar a baía a partir do Miramar, a baixa, o Porto e o edifício do Banco Nacional. E apresenta-se para os respectivos procedimentos de segurança, radiografia e quê e tal… Dirige-se a outra sala, onde os guardas verificam a papelada e colam a foto 5x5cm no sítio próprio. O passo a seguir é num guichet, onde se podia ler "na falta de algum dado, não recebemos”, ou qualquer coisa assim.
E são tantas as perguntas no formulário (umas quase idiotas), que sempre fica algo por responder. A senhora que ia em frente, por exemplo, que é divorciada, esqueceu-se indicar o nome do ex-marido e a data de nascimento. “Ainda bem que nunca me casei”, conclui Man’Toy, “era só o que me faltava, ter agora que decorar a data de nascimento da ex… ora essa, pedir isso é que não!!!!
Um folheto recebido à entrada dizia que deveria pagar 10 USD, pelo que Man’Toy adianta já à funcionária que só tinha mil kwanzas. Mas é-lhe recordado que em território americano o dinheiro é dólar. Neste momento percebe que, afinal, o poder do nosso dinheiro, que até tem caras dos presidentes, Neto e Zé Eduardo, não é perfurante em certas paredes.
Sensibilizada pelo insólito motivo da ida de Man’Toy aos EUA, a funcionária, que não tirava os olhos do cabelo despenteado do homem, disse que o valor (atenção, 131 USD e não mil kwanzas) ficava por conta do povo americano. O passo a seguir era o tão esperado momento da entrevista. Ele imaginava-se já numa sala cheia de "brancos, muito brancos" de gravata e tal... pelo contrário, foi abordado por uma moça profissional que o fez sentir como se já a conhecesse. A terminar ela recomenda-o a voltar ao guichet inicial para fazer o pagamento final de 10 USD, ficando o passaporte por levantar às 10h do dia seguinte.
Nisto começava o desespero de Man’Toy, rogando aos presentes que alguém lhe vendesse 10 USD. Mas ninguém acolhia o SOS. Havia inclusive um compatriota com farda da empresa de Man’Toy, a quem abordou e esclareceu que eram "sugados pelo mesmo piolho". Simplesmente, nada!
Os guardas aconselham-no a sair para localizar kínguilas (câmbio de moeda na rua). “Mas onde encontrar os kínguilas, eu que mal conheço as entranhas de Luanda?”, refilava, calado, o homem. “Aqui mesmo perto, no Gangula”, é só curvar ao lado do Cemitério do Alto das Cruzes, insistiam.
Lá ele saia atrás dos malditos 10 USD com auscultadores ao ouvido, fingindo sentir-se à vontade na rua, seus medos no entanto activos. É que seu telefone era rádio e music player, portanto interessaria a ladrões. Naquele momento, uma rádio destacava a notícia do guarda dos correios que foi morto e amarrado no interior da instituição.
Passava pelo famoso hospital Ngangula e nenhum sinal de kínguilas. Na sua província, os kínguilas ficam com o kumbu à mostra na mão, como um abano, o que facilita a localização. Mas em Luanda, não. Finalmente encontra um velho, a quem tenta enganar disfarçando a fala: “Paizin-ho, aqui tinha mbora kínguilas, já num'stão?”, ao que o velho responde: “Você lhes deixou atrás na árvore”. Agradece, dá meia-volta e localiza a kínguila: “maezin-ha, então tão mbora a si escondé?”, e a resposta é directa: “Pensamos que o filho é mbora fiscali”.
Compra então duas notas de 10 USD (não fossem os malditos faltar outra vez!) e volta ao guichet. Lá posto, a senhora emite o recibo e diz o que disse antes, “O senhor não paga, os emolumentos ficam por conta do povo americano”!
De acordo com o contador – de cuja fiabilidade não há motivos para desconfiar – este blog possui actualmente 610 Comentários em 287 Artigos! De parte a estatística, vem esta reflexão a propósito de dois motivos: primeiro, apresentar o nosso muito obrigado aos visitantes que de vários cantos do mundo nos chegam. Segundo, um olhar urgente à necessidade de desafiar o elástico dos olhos.
Em vários campos da vida, as perguntas costumam ser sagradas, quer pelo poder de darem ignição a conversas, quer pelo alcance filosófico que encerram. É neste prisma que julgamos justificar-se este texto, que surge em função de termos recebido, em jeito de comentário, uma visão preocupante. É crucial esclarecer que não se trata de “não levarmos desaforos para a casa”, porque tanto não se trata de desaforo, como nos sentimos em casa.
O desabafo em causa surgiu em reacção a uma crónica de viagem ao Balombo e a visita à fonte de águas quentes do “Kutokota”. «Com tanta coisa a acontecer no país e no Mundo vcs não têm vergonha de criar blogs para isso? Falem de algo que valha a pena. Estamos cansados...», diz o/a autor/a sob anonimato – o que por ora é irrelevante.
Depois de ler e reler o comentário, comecei a ter receios do que se queria sugerir. Era necessário desafiar o elástico dos meus olhos para capturar a expectativa do visitante. O que será que vale a pena abordar num blog face “a tanta coisa a acontecer no país e no Mundo”? Por muito que me custasse, fui obrigado a considerar a hipótese de que o autor (ou autora) é de nacionalidade angolana e daqueles que consideram coisa séria apenas os assuntos candentes da política. E é isto que acho profundamente preocupante, que as pessoas tenham o elástico dos olhos no limite, e não consigam apreciar as coisas belas na natureza e no lado interior das pessoas.
Para mim (e isso vincula o Blog) a denúncia de defeitos e incongruências humanas é tão séria quanto a publicitação de virtudes humanas, a ascensão social na base de valores como o trabalho, a solidariedade e a honestidade. Há emoções virtuosas que não devem passar sem registo, sob pena de nos arrependermos um dia. Se a natureza quiser sorrir, lá estaremos com a máquina fotográfica e caneta. Nalguns casos, melhor do que gritar é desafiar o elástico dos olhos.
Portanto, é muito grave, e abala-me, a ideia de deixar que a indignação diante dos erros dos poderosos nos impeçam de ver o que há de belo, de construtivo, de cultural e de harmonioso no pensar das pessoas, que lutam para vencer na vida.
A terminar deixo um desafio: continuemos a desafiar o elástico dos nossos olhos. Pode ser?
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Gociante Patissa, bairro da Santa-Cruz, Lobito, 17 de Outubro de 2009
Está difícil. Sei que lá vai um bom tempo que da minha lavra não sai uma crónica, daquelas que algumas pessoas sentem falta (sendo eu uma delas, claro). E não julgue que é por falta de vontade. Tenho até tentado capturar os múltiplos vultos de ideias que passam pela ponta do meu nariz, mas, quando chegam na cauda do funil, atolam-se (permitam-me brasileirismo).
Sou, antes de escritor, um sentidor. Daí referir que as ideias passam pela ponta do nariz. O facto de nascer num berço camponês permite-me desde cedo sentir os mundos, do abstracto ao concreto. E não foram poucas as vezes que se confundiram um com o outro, digo, chegando mesmo o abstracto a ser rijo como uma pedra.
Ultimamente não são só as ideias que se atolam no cu do funil, mas também as emoções, umas destacando-se por não serem usuais. Talvez tenha empurrado a pedra a vida inteira para caminhar. A pedra sempre lá, antecipando-se a cada alcance. Agora, mais emoções agradáveis que o oposto, é verdade; mas, para um sentidor, não é determinante. É, às vezes, preferível que as emoções tenham um só sentido a terem que se misturar de forma intensa e ao mesmo tempo.
Sim, faz-me bem que em algum lado me valorizem em função do potencial interior – não vou fingir o contrário, é inútil! Fase difícil da vida. Deu-se início, em 2003, o cultivo com vista ao escoamento do excedente dos sonhos. E, sinceramente, com mais de uma coisa agora a exibir frutos quase maduros… talvez eu não esteja preparado. É como se a pedra já não estivesse no local, esperando ser empurrada antes de cada alcance.
«Mas é como se tivesses receio, parece um processo emocional violento», diz a amiga de Sines com quem tomo café no messenger, «porque as coisas que estão acontecendo são positivas». E ela segue digitando, eu de olhos exageradamente abertos sigo o raciocínio, rezando só para a ligação da Internet não falhar. «Serão várias pedras, e vais removendo algumas, mas elas estiveram lá tanto tempo, que quando não as vês nem sabes bem o que sentir».
Preciso, acho que sim, de expert em gestão de emoções. A solidão à porta fechada já deu o que tinha a dar neste papel. Mas que entenderão de gravidez espiritual da criação os que me rodeiam? Conseguiriam vislumbrar a dimensão da pedra, esta, que, até sabe mover-se à vontade para qualquer direcção? Sentiriam a ansiedade de uma viagem saída da lotaria para ver outro continente, dezasseis anos depois de se apaixonar pelo Inglês?
No outro dia, falei com uma pessoa que presta, pedindo ajuda para empurrar a pedra que me mantém, qual prostituta de subsistência, preso ao estômago. A acontecer, "posso morrer, já vi Angola [do meu ego] independente". Nesse dia, juro, parecia não existir a pedra, diria mesmo que não a tive de empurrar, para chegar à pessoa.
«Serão várias pedras, e vais removendo algumas, mas elas estiveram lá tanto tempo, que quando não as vês nem sabes bem o que sentir». Ora, se a minha amiga de Sines tiver razão, então o meu será daqueles casos de se dizer que a pedra afinal é parte de nós.
O Blog Angodebates foi tentado a entrevistar um anónimo recordista das estradas do centro e sul de Angola, um trabalho que só agora nos é possível divulgar em função da recente avaria do nosso computador.
Há dois anos que Luís Xavier foi transferido para a província do Huambo, onde representa uma ONG. No entanto, tem a família na cidade de Benguela, o que o leva a enfrentar com certa frequência os cerca de 800 quilómetros de autocarro para matar as saudades. A sua mais recente vinda foi marcada por uma aventura, no sentido literal do termo. Luís decidiu fazer a viagem ao volante do triciclo motorizado Bajaj, adaptado para pessoas que, como ele, têm deficiência dos membros inferiores.
Angodebates: Sei que veio ao volante da sua motorizada. Porquê?
Luís: Às vezes é preciso também ser um pouco atrevido, imaginar que nós podemos chegar até onde queremos. Eu, antes de fazer este percurso, Huambo-Benguela, de Bajaj de três rodas, fiz um cálculo. Porque só a nível da cidade, as trajectórias que eu faço, até à tarde, em termos de quilometragem seria uma caminhada idêntica a Huambo-Benguela.
Angodebates: Matematicamente, foram quantos quilómetros?
Luís: A minha motorizada já não está marcar a quilometragem, mas por aquilo que me apercebi, do Huambo ao Balombo são 170 quilómetros, do Balombo da Benguela são 160 quilómetros. E eu parti às 5h do Huambo, às 9h estava no Balombo, tive que descansar umas duas horas para não esforçar muito a motorizada. Às 12h30 continuei a caminhada. Como o troço Balombo-Amela ainda tem problemas, gastei quase três horas. O troço ali está muito mal. Entrei no Lobito deviam ser 17h. Se não fosse o troço que está mal, entraria por volta das 15h.
Angodebates: Em termos de combustível, quantas vezes teve de abastecer?
Luís: Abasteci no Balombo [10 litros de gasolina], mas, na altura, a motorizada ainda não tinha pedido reserva, ainda poderia andar até ao Bocoio [50km aproximadamente]. Atestei o depósito e a motorizada só começou a dar sinal a 30 metros da minha casa [cidade de Benguela]. Como a motorizada ainda é nova, o carburador é novo, não consome muito combustível.
De referir que os triciclos motorizados Bajaj, de origem indiana, surgiram com certa mediatização há seis anos na província de Benguela. Faziam serviço de moto-taxi nas cidades de Lobito e Benguela, sob gestão da Cooperativa de Pessoas Portadoras de Deficiência, iniciativa do projecto “Dignidade”, implementado pela Lardef (Liga de Apoio e reintegração dos deficientes).
Habituado a bater-se pelo direito à dignidade das pessoas com deficiência, Luís vê na viagem um motivo de intervenção social. «Na verdade, muitas [são]as pessoas que não estão a acreditar que vim de motorizada. Normalmente, as pessoas olham para essas motorizadas e, logo, a primeira coisa é reparar a pessoa que está a conduzir a motorizada. E olhar para onde? Para os seus pés. Quem está a conduzir esta motorizada. E vêm logo, “ah, é uma pessoa que tem deficiência”, e só depois é que olham para a motorizada. Naquele grau que diminuem na pessoa com deficiência, diminuem também o próprio meio que é conduzido pela pessoa com deficiência. Eu vim e foi bom!»
Deve ser evidente que não tenho mesmo jeito com as armas, não? Pois já o sei, tanto assim que acho o quadro a coisa mais fotogénica. Nossa objectiva no município do Balombo.
As imagens são desoladoras, os relatos um pouco piores. Centenas de angolanos viram-se forçados a abandonarem a vizinha República Democrática do Congo (RDC). Multiplicam-se denúncias de maus-tratos nessa expulsão compulsiva que não poupou estudantes nem os residentes em situação legal. Em causa, a “operação repatriamento” das autoridades migratórias angolanas, que visa expulsar estrangeiros ilegais, maioritariamente ligados ao garimpo de diamantes.
O quadro piorou uma vez que terminou ontem (06/10) o ultimato das autoridades da RDC, que tem o aval da Assembleia Nacional. Vários retornados ouvidos pela rádio nacional angolana referiram que foram expulsos sem terem a oportunidade de retirarem das residências os seus bens. Houve quem falasse em queima de haveres, incluindo viaturas, para além da perda de emprego.
Está em curso a máquina da diplomacia de ambas as partes, sem no entanto estar à vista uma data para a normalização da situação. O ministro da Reinserção Social, João Baptista Kussumua, entrevistado pela TPA, avançou que, numa primeira fase, os regressados estão a ser acondicionados em tendas na província do Zaire, para posterior identificação de seus familiares e zonas de origem. No entanto, pior ainda pode acontecer, a fazer fé nas palavras do jornalista Nicola Vadjon, ligado ao governo congolês, que, ouvido pela TPA ao telefone, falou de um plano de "expulsão massiva".
Há pouco menos de uma semana, as autoridades do Congo Brazavile tomaram a iniciativa unilateral de encerrar a fronteira que liga a província de Cabinda com a região de Ponta-Negra. Como resultado, vários angolanos ficaram retidos do outro lado, chegando-se inclusive a mobilizar a intervenção da Cruz Vermelha para assisti-los com mantimentos. Felizmente a situação já está ultrapassada.
Note-se que os dois Congos se queixam de humilhação, uma vez que, sustentam, não foram informados pelas autoridades angolanas em relação a expulsão dos seus concidadãos, não obstante as relações de irmandade existentes.
Foi assim mesmo que aconteceu, naquele dia que nunca terá perdão. É verdade que tem feito esforços a mais o nosso “colega”, se comparado com a sua morfologia. Um ano de convívio não tem sido fácil para ele, isso é de reconhecer, mas optar por desmaiar, numa altura em que todo o esforço é pouco, sinceramente, assim também não!
Para quem possa interessar: no passado dia 19 de Setembro, foi registado um gesto de insubordinação por parte de um dos fundamentais constituintes desta casa de Bloguismo denominada “Angola, Debates & Ideias”.
O respeitável senhor “Comportador” (já explicamos o porquê do nome) entendeu que devia demitir-se de algumas funções, sendo as mais relevantes a execução do programa de acesso à Internet via modem e a execução de vídeos. Julgamos desde já reprovável tal iniciativa, embora compreensível (já que a suposta endemia foi resultante da fornicação com reincidentes pen-drives sem preservativos eficazes).
Só hoje, vossas excelências, volta a entrar em campo o “colega”, depois de vários esforços em levá-lo para tratamento ao um kimbanda das teclas, que o incubou dias a fio sem tocar nele. Fomos felizes numa segunda tentativa, com um kimbanda das teclas que passou a noite inteira a esfregar as sarnas do “colega”. Veio diferente, um bocado menos original, mas com o essencial para dar o seu empenho.
Definitivamente, há muito que o computador deixou de ser apenas um meio. Aqui pensamos com/no computador. Sem ele, a criatividade não tem escoamento. Agora, diga-me lá: é ou não justo chamá-lo de “colega Comportador”?
"Não, não, não. Não me peçam para chorar", um dia cantou Eduardo Paim "General Kambuengo". Mas ontem, 02/10, não foi preciso pedir, ele chorou de emoção no palco, enquanto figura homenageada pela edição 2009 do Top dos Mais Queridos, iniciativa da Rádio Nacional de Angola. Para além da sua actuação, a produção do Top fez uma série de reportagens, onde várias figuras contaram a forma como o maestro Paim entrou em suas vidas. O público presente levantou-se, aplaudiu e na mesma sintonia que os organizadores, manifestaram a Paim o carinho que merece pelo contributo na história da música Angolana. Jomo Fortunato que o diga!
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Já nos anos 1985, Paim e outros integrantes do grupo SOS cantavam e faziam cantar. Aliás, por diversas vezes, outro astro da música angolana, Paulo Flores, revelou ter contado em grande medida com a "formatação" de Kambuengo. Paulo chegou a atribuir, num passado recente, um diploma e os valores de vencedor de um concurso (cujo nome não nos vem agora à mente) ao seu companheiro Paim. Não sendo o único, Nelo Paim, o prodigioso tecladista, é também produto do trabalho do irmão, que possui tão-somente um dos melhores estúdios de música em Luanda.
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A carreira de Paim viria ser maculada por ausações de envolvimento em tráfico de drogas, quando se encontrava a residir em Portugal. Passada a núvem, Paim regressou a terra, sem nunca ter posto a música de parte. E já nos últimos anos, numa interacção com gerações mais recentes, fez um dueto com Matias Damásio, um convincente talento nascido no subúrbio da cidade de Benguela. O resultado não podia ser outro, que não o sucesso.
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Recorde-se que o Top dos Mais Queridos edição 2009 foi conquistado na final pelo artista Yuri da Cunha, que concorreu com Caló Pascoal, Pérola, para só citar alguns. Na categoria do prémio da crítica, Gabriel Tchiema, um investigador dos ritmos do leste (Lunda Cokwe) recheado de trova, foi o vencedor, de uma corrida em que participaram Margareth do Rosário, Patrícia Faria, entre outros.
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O blog Angodebates manifesta aos organizadores, homenageados, vencedores e participantes os seus parabéns. O que há de construtivo na música angolana deve ser, sim, enaltecido!
Há mais de duas décadas exercendo a mecânica, na cidade do Lobito, Ilídio Cunha, aliás mestre Ilídio, é já uma referência obrigatória que se confunde com uma conhecidíssima marca: Land-Rover. O prestígio de Mestre Ilídio inclui as habilidades como torneiro, electricista-auto e serralheiro. Para muitos que não conseguem custear as manutenções e reparações na representante, “União”, Ilídio é um heróico mecânico de quintal.
Hoje na casa dos cinquenta anos de idade, mestre Ilídio recorda: “iniciei o desejo de ser mecânico aos 13 anos de idade. Meu pai era carpinteiro, andei com ele para aprender mas não estava no meu desejo seguir esta profissão. Então optei pela mecânica. Comecei a aprender na Auto-Obelisco, aqui no Lobito, como bate-chapa, mas também não gostei. Fui para Luanda, fiquei lá um tempo”.
Como muitos, Ilídio deixou-se “corromper” pelas saudades da terra, abandonando a capital do país. “Quando regressei, inscrevi-me na escola Comandante Nzaji, onde fiz o curso de um ano e meio de mecânica. Terminado, consegui emprego na Renault durante cinco anos, Manauto 111. Quando saí dali fui para a Scania, que aqui no Lobito era Manauto 112. As condições também não eram favoráveis, então desisti. E veio o desejo de fazer meus trabalhos por conta própria”.
Em finais da década de 80 viria instalar-se no bairro da Santa-Cruz, onde actualmente reside. “Alguém mostrou-me este lugar, comecei a trabalhar em carros diversos. Mais tarde comprei um Toyota Land Cruiser, o qual vendi. Quis ter Land-Rover porque sempre tive paixão. Eu sabia que é carro de força, transpõe qualquer obstáculo. Foi quando eu comprei um. Andei um tempo com ele, depois vendi-o. Comprei mais outro, fui vendendo e posteriormente comprei um totalmente avariado, fui reconstruindo”.
Aquilo que um dia começou com intervenções paliativas de curioso ante as avarias do seu carrito viria resultar numa especialidade, ou melhor, uma raridade, Land-Rover. Há mesmo quem acredite profundamente que não há carro sem solução, desde que entregue em mãos certas, ou seja, as do mestre Ilídio. A sua viatura pessoal, que reconstruiu, digamos, peça sobre peça é também da marca... Land-Rover, ora pois. “Reconstruí-o lá vão três anos, ainda permanece um mimo. E para estar onde está…” (a frase é completada por um misto de sorriso e uma entoação arrancada do fundo da emoção). E remata: “é a minha paixão pelos Land-Rovers”.
Mestre Ilídio gostaria de ter um Toyota, desde que todo o terreno, sendo o Hilux a preferência em função do design. “Já tive um anteriormente e gosto, é moderno”.
Mais do que um quintal, Ilídio Cunha possui um recanto místico que lhe permite exercer a profissão e forjar mecânicos do futuro, os seus filhos. Outra curiosidade: há coisa de três anos, surpreendeu a vizinhança ao reconstruir carcaça de mini-autocarro, que hoje faz serviço de táxi na rota Benguela-Luanda. E tão fértil é a mecânica de mestre Ilídio, que galinhas procriam na carroçaria de uma viatura que aguarda reparação.
Já a terminar a conversa, no seu jeito pausado e simpático, mestre Ilídio confidenciou-nos que se tem conseguido adaptar aos Land-Rovers modernos, a exemplo da frota dos administradores. Só não ousaria tocar nos “electrónicos de caixa automática”, sendo ele humilde, competente e com noção dos seus limites.