quinta-feira, 23 de abril de 2009

Crónica: O prazo das eleições devia ser mais curto… se calhar

Sempre que viajo para África do Sul é por via da objectiva, ontem foi pelas imagens da TPA (Televisão Pública de Angola) – lindas de se ver, diga-se. As filas mostravam uma África diferente, aparentemente mais preparada para lidar com a diferença. As filas para o voto eram a mais representativa janela do ideal sul-africano, uma nação multirracial.

“Está muito frio!”, sublinhava o jornalista, para a minha dúvida: ora, se está muito frio, como é que ainda aceitaram manter a distância de um braço entre um votante e o outro, quando na banda, que até aquece demais, valorizamos o “calor humano”? Nunca andaram de Hiace, né?! Angolano é mesmo diferente, juro mesmo!

Na vizinha África do Sul, é uma época sagrada – os partidos concorrentes bem o considerariam pelo “privilégio” de se sentirem em grau de igualdade. O final do processo é, no entanto, daqueles “contos” que tanto faz narrar de trás para frente ou vice-versa, tal é a facilidade de o inferir. É ao ANC (Congresso Nacional Africano) que a maioria dos sul-africanos vai depositar as esperanças na resolução dos seus problemas. Para a desilusão do Congresso do Povo, partido formado por dissidentes do ANC (entre eles o último presidente da república, Thabo Mbeki), caberá mesmo ao polémico Jacob Zuma “oferecer” a uma das esposas a “coroa” de primeira dama da república nos próximos quatro anos.

Aliás, o ciclo das eleições é o fenómeno mais “irracional” que a democracia tem. Até um ano antes, o cidadão (acha que) conhece os problemas – o que implica o estabelecimento da relação «efeito-causa». Poucos meses antes de ir às urnas, o cidadão (acha que) tem a certeza do que (não) quer – seja na base do afecto a determinada causa, seja pela garantia de vantagens económicas ou status quo. E na véspera do puro dia, mal se consegue dormir, tal é a ansiedade. Passa o tempo, cai a chuva, batem os ventos… está retirada a ramela dos olhos. Se era o que queríamos, “louvado seja o senhor!”, mas se é caso para arrependimento, paciência, que fazer mais senão esperar pelo próximo pleito eleitoral…!?

Eis uma lufada de ar fresco para o ANC recompor a sua imagem que, indubitavelmente, ficou desgastada, talvez mais do que nunca na sua história. Curiosamente, o conceito de tribunal, que um dia humanizou a afirmação do movimento de luta contra o regime do Apartheid, no contexto de Mandela e outros, passou a representar ponto vulnerável. Não sairia ileso jamais o partido cujo líder anda em processos que se arrastam por mais de quatro anos. Zuma, que se diz defensor irredutível da cultura Zulu, ao ponto de se envolver sexualmente (de forma desprotegida) com uma mulher HIV positiva, habilitava-se a criar uma das mais ridículas cenas da história do seu país. De nada ajudaram os argumentos de que, por uma questão cultural, tem a obrigação de satisfazer sexualmente uma mulher quando esta manifestar excitação, sendo que, para debelar o contágio, teria usado alho após o acto.

Só Deus sabe, como se diz, se a aparição do “Velho” Nelson Mandela na ponta final da campanha foi “apenas” um trunfo político ou mesmo um sinal “do fundo do coração” pelo quanto se revê em Jacob Zuma
já que, à luz da constituição, o presidente da república deve ser eleito indirectamente, ou seja, entre os deputados no parlamento.

Para os irmãos sul-africanos, fica um recado: pode até ser traiçoeira a democracia, mas é, até ao momento, a forma mais sensata de se chegar ao poder. Bom seria, se calhar, que houvesse uma avaliação a meio-prazo para ver se o governo que ganhou tem punho para cumprir as promessas…

São portanto quatro anos de esperança, de monitoria cidadã ao governo enquanto gestor do Estado. E, acima de tudo, queria só pedir um favor, não sei se posso…, mas, é assim: não voltem (nunca mais) a usar a violência – aprendam connosco, pode ser?

Gociante Patissa, Benguela, 23 de Abril de 2009
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