segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

A chatice dos aeroportos

Nunca me sugeriu, sinceramente falando, o ambiente do aeroporto como atractivo para escrever. Mas hoje foi um dia especial, um daqueles dias em que se reforçam as fraquezas e as frustrações ganham músculos. A conversa, breve até, que se seguiu ao (re)aperto de mãos com o Pinto (nome fictício,) lembrou-me da máxima “se não consegues ter um castelo, podes ao menos construir uma cabana, mas não serás feliz com a cabana enquanto continuares a sonhar com o castelo”.

Assim como as imagens e as músicas, determinados locais detêm uma certa carga sobre as pessoas, independentemente das causas e razões, algo assim quase metafísico em certas circunstâncias. Por acaso, faço parte deste “batalhão” de pessoas para quem o aeroporto representa uma constante energia negativa.

Não sendo para aqui chamada a razão objectiva, o aeroporto é de um efeito forte, trazendo sempre que dele se está perto aquela fragilidade íntima. Às vezes acaba sendo mais forte a “maresia” do que o contacto com o cemitério. Pelo facto, procurei sempre distanciar-me dos aeroportos da minha localidade… bom, pelo menos até chegar o dia em que frequentar um deles passou a ser sinónimo de ganha-pão.

A “tortura psicológica” tornou-se uma constante, e há que conviver com o espírito triste que assombra o aeroporto. Talvez seja negativismo a mais, mas a verdade é que a alegria que se testemunha em cada abraço de reencontro, a correspondência de euforias entre quem chega e quem recebe, nunca chega a ser mais forte do que o impacto da tristeza na lágrima, no olhar, no adeus, de quem parte ou vê os seus partirem (uns até para não mais ver). E há também aqueles casos de pessoas que não conseguem viajar no mesmo dia…! E quis o destino (nome fácil para a falta de oportunidades em coisas melhores) que se fosse minha rotina tal dialéctica.

Em cerca de dez meses (que parecem anos), é muito o que há por contar, desde o que se viu ao que se ouviu, ou não fosse o aeroporto a porta de saída oficial de gente dos mais diversos extractos sociais. E quando “anónimo” é muito mais fácil testemunhar a fofoca, a inveja, o despeito até dos intelectuais da primeira água na praça nacional, ouvir desabafos de vária ordem relativamente à presença massiva de chineses e o receio de que “superpopulem” esta terra (já ouvi mais de dois portugueses e aborrecidos como se fossem os mais legítimos estrangeiros). Bom, é digno também de avançar que as mais frescas informações desde a política, o desporto, a cultura à economia passam por aqui.

Já não sendo fácil o fenómeno “relações humanas”, menos fácil ainda se torna lidar com pessoas “sempre apressadas”. É o natural ambiente de trabalho. Os voos atrasados, lugares esgotados... e os cancelamentos, então, esses são “condimentos” determinantes para ver gente virar “bicho” – o pior é que com justa razão, ou não fosse o mundo industrializado uma vida cronometrada!

Dominar o Inglês, umas catorze palavras de francês, para além do português e do meu doce Umbundu, é outra vantagem. E lembro-me sempre da cena de uma senhora namibiana de origem ocidental, no meu primeiro trimestre de serviço ainda. Fervia de nervos porque na lista reserva constava o nome do seu filho de oito anos, menos o dela. “Na vossa companhia as crianças viajam sem as mães?”, desabafava, com razão, por um erro de comunicação. Final feliz teve caso, e quando dei por mim estava a senhora a apertar-me a mão em jeito de agradecimento e desculpas pelos gritos de há pouco.

Parece um paradoxo considerar um dia de "especial" por acontecer algo que nos fez lembrar as frustrações, como me referi no início a respeito da conversa com o amigo Pinto. Mas são frustrações típicas de jovens que não se conformam com o jargão de que “nunca á tarde”; de pessoas que se rejeitam ao zénite medíocre segundo o qual enquadrar-se na função pública (como enfermeiro ou professor de base) “é tudo na vida”.

O(a) leitor(a) pode até considerar que andamos a exagerar no peso da nossa cruz, já que há pessoas vivendo em extrema miséria e para quem um “empregozinho” seria um milagre. Mas a questão não é essa. E mesmo que isso desagrade a “muitos”, existe também uma franja da sociedade com suficiente patriotismo (o que inclui realismo) para perceber a pluma de baixa qualidade da maioria dos certificados do nosso país, não sendo excepção o ensino superior. O melhor sempre atrai. E o Pinto faz parte do grupo de jovens ávidos de formação, como eu e tantos outros, que integraram, na década de noventa, o terceiro ano da então virgem escola do terceiro nível dos Bambús na vila da Catumbela.

Ele estava de passagem para Luanda, e após os tradicionais kandandus, naquele canto do aeroporto, pusemos a conversa em dia. Era evidente no rosto do companheiro o sabor gostoso do meio-caminho andado da sua formação de seis anos em medicina em uma das conceituadas universidades brasileiras. “Bolsa de Estudo”, disse ele. “Parabéns, mano!”, respondi. E a conversa seguiu, cada um procurando saber mais sobre os projectos e perspectivas do companheiro. E, acto contínuo, o parceiro acrescentava: “uma bolsa do próprio ministério da Saúde!” (Alguns detalhes ficam omissos por imperativos de consciência), mas não foi nada difícil saber que foi, a bolsa, adquirida nos corredores de Luanda e não distante do mais alto gabinete, o que, aliás, não foi surpresa.

As bolsas de estudo, que durante anos foram o paliativo para suprir a gritante falta de formação de quadros no país, servem, nos dias que correm, como “pingo-doce” restrito a pessoas próximas da governação para a sua formação grátis em prestigiadas universidades pelo mundo fora. oficialmente não existem e para muitos intelectuais que constituem o “povo em geral”, angolanos do tempo de guerra e do tempo de paz, uma bolsa de estudo é um luxo com que não se aconselha nem mesmo sonhar.

Bom Ano a todos (GP)

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1 Deixe o seu comentário:

Anónimo disse...

Oi, é a primeira vez q visito seu blog. Estou cá fora em bolsa também. Sobre aeroportos é natural, mas também sempre dificl no momento.
Força. LW

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