quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Denúncia: há cábula em todas as instituições de ensino

Você já fez cábula? É uma pergunta aparentemente simples, mas que deixa pouco à vontade muito boa gente, a depender da circunstância. Uma prática antiga e ainda polémica. A 47ª edição do programa radiofónico “Viver para Vencer”, oferta da AJS através da Rádio Morena, foi dedicada ao debate antecedido de uma reportagem sobre o fenómeno cábula. É simplesmente uma ajuda à memória ou algo que se deve combater?
Ouvimos Valdemar Manuel, estudante finalista do Instituto de Ciências Religiosas de Angola (Icra): “Já fiz cábula uma vez. Tinha dificuldades em História e decorar números. Na altura não sabia que era tão bom ter a capacidade de decorar números. Então as datas e séculos escrevia nas mãos”, confessou, para a seguir apontar a prováveis causas: “A preguiça mental, alguns porque são viciados, outros porque não se acreditam que são capazes de reter ou compreender o conteúdo que têm. Alguns alegam falta de tempo e por isso fazem cábula”. Preocupado com o futuro, Valdemar aconselha: “A cábula não leva a um conhecimento eterno, leva sim a um conhecimento imediato. Vocês têm que optar em estudar”, frisou.
Outra estudante, de 18 anos, finalista do Centro Pré-universitário (Puniv), que só sob anonimato aceitou falar à nossa reportagem, denuncia como o avanço da tecnologia é aproveitado para aperfeiçoar a cábula. “Agora, com a tecnologia, já dá para fazer cábula pelo telefone, pen-drives. Antes era com papelinhos, escrever nas carteiras, nas batas”.
Já o docente de Práticas de Metodologia de História no Imne do Lobito, Ismael Andrade, considera que a forma como se elabora a prova e a característica da sala podem estimular o aluno a fazer a cábula. “Temos que culpar alguns professores que na elaboração das suas provas convidam os alunos a, em vez de puxarem pela cabeça, tirarem o recurso ilegal que trazem para tirar notas positivas, e a disposição da própria sala de aula. Se o professor não verificar as carteiras, se a sala não permitir que os alunos se sentem mais confortavelmente também facilita a cábula. E, por último, a forma de elaborar a prova, usando perguntas directas do princípio ao fim, o aluno fica preguiçoso”. Desafiado a deixar recomendações, Ismael não hesitou: “Provas bem elaboradas, professores actuantes e com sanções adequadas, acredito que por essa via a prática da cábula vai diminuir gradualmente das nossas escolas”.
O painel de convidados no estúdio constituiu-se de agentes com experiência na docência, entre eles os representantes do Ministério da Juventude e Desportos e o da Escola do segundo nível Luís Gomes Sambo.
No entender de Manuel Kavambi, docente do ensino médio e estudante universitário, “a cábula é um fenómeno social que ameaça o futuro de qualquer sociedade e nunca foi ajuda à memória. Antes de mais, no momento em que um estudante estiver a usar a cábula, ao invés de ajudar a memória estará a dispensá-la”, asseverou, para adiante considerar com ironia que cabular é só “um simples exercício de caligrafia.”
O educador social Manuel Rita Gaspar vê na cábula um fenómeno social que atinge todos os níveis de ensino e lamentou ainda a falta de uniformidade nos critérios de sanção, já que, referiu, cada escola age à sua maneira. “Porque há até alunos apanhados a fazerem cábula e tiveram um tratamento, mas outros noutra escola o tratamento foi diferente; só foram retiradas as folhas de provas e receberam outras para continuaram a fazer. Acho que isto não é correcto!”, condenou, sugerindo ao Ministério da Educação a estipulação de medidas disciplinares. “Eu penso que, quando se trata de escola, independentemente da entidade que a promove, a política de estado é tutelada pelo Ministério da Educação. Quer seja a escola da igreja, ONG, colégio, é o Estado quem deve meter a mão e solicitar essas forças vivas e traçarem mecanismos para actuarem neste sentido”, asseverou.
Entretanto quanto a sanções disciplinares, defendeu o representante do Minjud, Ndituavava Gonçalves, “elas estão regulamentadas. A aplicação é que não tem sido aquela. Existem escolas mais flexíveis. A questão só está aí e não na falta de medidas”.
António José, docente da escola do segundo nível “Luís Gomes Sambo”, contou que naquela instituição as crianças também já dão sinais de prática de cábula, embora sejam fáceis de detectar dada a pouca experiência, mas no ensino de adultos, o problema é mais sério. Por exemplo, como se vendiam folhas de prova com certa antecedência, estudantes há que traziam-nas já preenchidas com o que presumiam vir à prova e outros escrevem a matéria nas carteiras.
É caso para pensar: qual é o resultado de um médico que se formou no ciclo vicioso da cábula? De resto, a preocupação contra as fraudes nas provas não é recente. Pelo menos até finais de década de 80 os enunciados, a chave bem como as folhas de prova do segundo nível em diante eram trazidos ao recinto escolar por oficiais da Segurança do Estado devidamente uniformizados e identificados, sendo óbvio o clima de medo quanto a eventuais consequências. Se foi o método mais eficaz ou não, isso não é para aqui chamado. Entretanto, o que importa é ver que, como qualquer problema, mais do que dar relevância ao tratamento das consequências, no caso a sanção, impõe-se a adopção de medidas que visem tratar o problema a partir da sua origem, sendo a cábula uma questão de atitude.
Víctor Barbosa, por exemplo, que durante mais de 30 anos foi director de um Puniv, em Luanda, é de opinião que “a cábula resolve-se com muitos outros aspectos, não apenas com punição quando ela acontece. Temos que criar um ambiente escolar, menos alunos por professor, espaços que permitam os alunos questionarem o que estão a aprender e sentirem que todos os momentos em que estão na sala de aulas são momentos para porem à prova aquilo que sabem e não apenas no momento da prova. Acabar com o excesso de peso que se dá à prova”, o que, em sua análise, “várias vezes traumatiza também os próprios alunos e é necessário criar um ambiente de maior diálogo; e a democratização da escola podem contribuir para o combate à cábula”, acentuou aquele pedagogo assumidamente seguidor de Paulo Freire.
(AV-O/ Palmas da Paz)
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1 Deixe o seu comentário:

Anónimo disse...

Por que nao:)

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