Manhã de sol envergonhado, na periferia. Poucos meses faltam para o fim d’ano, numa altura em que o inverno dá lugar ao verão. De todos os cantos cresce o frenesim por um dia longo pela frente, em matérias de ganha-pão. Três mulheres distanciam-se cada vez mais da sanzala numa direcção ainda difícil de adivinhar para o observador por quem passam. “Bom dia, mano!”, saúdam as três mulheres, como mandam os bons costumes.
Uma delas leva às costas um bebé, que, tal como o observador, ignora positivamente se o passo semi-apressado é para findar apenas na paragem de Hiaces e autocarros, a dezena de metros, ou se a meta provisória é a estação de Comboio, a um quilómetro. Seja como for, o que é certo mesmo é que o mediático "Afrobsaquete" passa bem a leste das suas preocupações.
Vão na casa dos 24 anos em média, isso dependendo do ângulo de observação. O timbre de voz denuncia uma juventude corrompida por uma velhice existencial, enquanto suas vestes denunciam a coabitação entre a idade cronológica e a responsabilidade social no contexto peri-urbano. Ou seja, muitas vezes, não se é adulto só pelo número de vezes que se “viveu” o natal, mas, isso sim, a partir de quando se deu à luz. Não importa se em casa dos pais ou em “beco” próprio.
“Zungueira ou lavador de carros, não é de se ter vergonha”, o pensamento da música conjunta dos grupos de RAP angolano SSP e Afroman, na música “O vencedor”, é posto à prova:
– Zungueira te sustenta, diz uma.
– Mulher Kunanga é prejudicial, denuncia a segunda.
– Ele é burro, não sabe que enquanto sai, a mulher dele entra com outro homem em casa! – condena a terceira, trazendo à luz o motivo da conversa.
Já agora com o fio da conversa em posse, o observador, que não passa de simples figurante nesta cena flagrante da vida real, segue discreto os passos das jovens senhoras, para perceber ainda melhor como pensam as zungueiras. A curiosidade reside não tanto em “quem é ele?”, mas principalmente no “que se vende?”. Não levavam à cabeça baldes brancos, logo não podiam ser vendedoras de yogurte caseiro. Zungueiras de quê, então?
– Eu saio de manhã p’ra fazer o meu dinheiro. No fim do mês ainda posso apresentar uma quantia boa na minha pasta – insiste ainda a primeira.
– Ele não sabe. Pensa que Zungueira é mulher qualquer – dizia s segunda.
– Uma mulher é aquela que não se deixa!
Lá vão os tempos em que o ganha-pão era responsabilidade só dos homens, quando ninguém engravidava antes de formar seu próprio lar. Mas como é que a coisa mudou, então? Uns acusam as mulheres de facilitar, entretanto outros vêm na extrema natalidade uma questão de “patriotismo”. Convém explicar: se o país tem mais mulheres do que homens, é, matematicamente, “ético” os “poucos” que sobram fazerem a vez dos outros tombados pela liberdade histórica.
E a sobrevivência passa a ser uma questão de equilíbrio de género, onde a mulher carrega tudo: carrega a criança às costas, carrega o sol na testa quando sai e regressa com ele “nos cornos” à noitinha, trazendo os mantimentos para o dia – porque para amanhã, vê-se amanhã! Carrega, quando muito, a ingratidão do marido, que já está com os copos. Depois carrega mais ainda…
Pois, carrega as lamentações das crianças, as quais deverá aturar até à hora da novela, depois da qual virá a ordem do companheiro que “já quer fazer”, sem se lembrar que a esposa não teve tempo sequer de tomar um banho e preparar a mente para mais um exercício sagrado, muito menos se está no período fértil ou não. “Em minha mulher mando eu”, pensará com machismo o ignorante.
Conhecem a cidade não pelos monumentos, mas em função dos clientes que se familiarizaram com os seus pregões. Levam os supermercados ao portão do habitante preguiçoso, conhecendo pela necessidade a cidade de lés-a-lés. São o rosto visível do fenómeno que lançou a mulher para as ruas nos centros urbanos, no seu dever de produzir para sustentar a sociedade - sociedade essa, que a condenará amanhã por não ter ido à escola e não participar na vida política.
Gociante Patissa, Agosto 2007
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infelizmente só li hoje, mas nao deixa de ser impactante, elas contribuem para a sociedade que as condena, sao elas que facilitam-nos a entrega dos produtos a prota de nossas casas, muitas vezes ignoradas, taxadas... Pois pouco se dá imporntancia a elas.
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