terça-feira, 6 de setembro de 2011

Opinião: África não tem que negar-se a si em nome do cristianismo


O presente texto surge a propósito de uma reportagem de Gabriel Veloso (Rádio Luanda, 01/09/11) sobre nomes e alcunhas. A peça analisou as implicações sociais da identidade do indivíduo, a partir da semiótica. Falaram um cristão, um sociólogo e um jurista. São de elogiar trabalhos jornalísticos do género, e mal não fariam em incluir um antropólogo.

Uns de raiz tradicional, outros baseados em adjectivos e mitos. Assim é o vasto mosaico de nomes, num país com 17 milhões de habitantes (70% cristãos), e pelo menos oito grupos etnolinguísticos de matriz Bantu, sem esquecer os Khoisan, pré Bantu, e os de origem ocidental.

O cristão recomendou para a escolha de nomes positivos, pois estes podem determinar o carácter, a personalidade e o futuro. Para impor a fórmula, socorreu-se da bíblia, onde a figura de Jacob acaba sendo enganadora, conforme o significado do nome. Falou até em genética, ilustrando que se dermos à criança nome de um familiar que tenha sido bruxo ou feiticeiro, o será de certeza. O «Azarado» tem uma vida de azares. Os que se chamam Mãezinha ou Paizinho sentir-se-ão inferiores para o resto da vida, asseverou.

O sociólogo estabeleceu uma relação de «causa - efeito» mais no sentido da chacota de que o nome pode ser alvo, levando como tal o indivíduo a sentir-se pouco à vontade no seu meio. Por sua vez o jurista disse não haver impedimentos quanto ao registo de nomes tidos como caricatos, oriundos da sociedade angolana, como é óbvio, com uma ou outra excepção. O alerta do crivo recai para nomes estrangeiros.

Via de regra, na formação dos nomes oficiais vem primeiro o de baptismo (bíblico, ocidental), seguido do nome de família (ou ao menos nativo). Há, entretanto, o inverso da regra entre os bakongo, na região norte de Angola. Um interessante artigo sob o título «Os nomes ou cognóminos Kikongos» circulou em alguns portais, da autoria do auto-assumido tradicionalista, Makuta Nkondo. Também publicamos (aqui e aqui) o contributo do livro «O Meu Pai», de Avelino Sayango, na divulgação da tradição Ovimbundu.

O cristão foi de um maniqueísmo da era medieval, caracterizada por uma civilização cristã cega de etnocentrismo. Não se aceita, neste século XXI, que fazedor de opinião que se preze exale tamanha leviandade. Mesmo que não se trate de invenção sua, há que deixar claro o que é senso comum e/ou mito, e não vendê-los capciosamente como verdades acabadas.

Um historiador amigo lamentou que a “cultura” cristã siga dando pouca oportunidade à percepção da rica cultura material do povo Bakongo, onde até os instrumentos musicais (masikilo) são associados à feitiçaria. De tal sorte que a marimba e o kisanji não podem tocar num templo, lugar exclusivo do piano e guitarra.

Não haja dúvidas, um cristianismo que ignore a antropologia e seu enquadramento com a modernidade corre o risco de se desconhecer a si próprio, porque é sem memória.

Gociante Patissa, Luanda-Benguela, 01-06/09/11
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10 Deixe o seu comentário:

Bípede Falante disse...

Em nome de deus não se deve negar nem afirmar nada, muito menos em nome do cristianismo.

L. Leme disse...

Ainda bem que tem gente para botar a boca no mundo!

Bjuss

Val Du disse...

Oi, Patissa.

Lendo esse texto, percebo como Cristo fica longe desse tal cristão.
Por isso, reafirmo minha opinião de que: Cristo liberta, mas o cristianismo aprisiona.

Abraços.

Cristina Galhardo disse...

São os centrismos que levam vários prefixos, meu doce, os tais de que falamos tantas vezes, que não respeitam e se acham sempre mais. Tenho notícia de grupos seriamente prejudicados e ameaçados na sua identidade após "conversões". Nada cristão, isso, digo eu, como cristã que me posso considerar, por admirar a figura de Cristo e nela ver uma referência de vida. Kandandu daqueles

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Oi, Bípede Falante, sempre 1 prazer tê-la e "ouvi-la". Um abraço

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Cara Lúcia Leme, grato pela observação. Um bom dia para você.

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Oi, amiga Lita Duarte, sua opinião aqui conta. bjs

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Cristina Galhardo, minha querida, outro kandandu bem daqueles com Benguela pelo meio. bjs

Maurício de Souza Lino disse...

Caríssimo, Paz e Bem!
Está mais que na hora de alguém alçar a voz em prol da cultura africana! Como é possível nesses tempos hodiernos, ouvir algo assim? Choca a opinião!
Tomo a liberdade de fazer uma cópia para meu blog.

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

"Caríssimo, [ Fratermaurício]Paz e Bem!" É sempre um prazer interagir consigo e não vejo inconveniente em partilhar o texto. Um abraço grande

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