sexta-feira, 30 de maio de 2025

Ponto d'ordem: LOCUTOR DE COCÓ

23 horas de uma quinta-feira. Na rádio, locutor (voz adulta, amadurecida, grave, dicção impecável em português) anuncia lista de ouvintes que ganharam ingressos para um evento e que os devem levantar no dia seguinte. Um deles atende pelo sobrenome Tchikoko - em Umbundu, capacete. O locutor prossegue. Chikoko ou chikókolo? Até lembra a palavra cocó, conclui ele. Ri-se. Depois acrescenta: brincadeira, porque somos uma criança. A cidade é Luanda, espaço sociolinguístico e sociopolítico que se acredita e se define a si próprio como não tendo sotaque no seu português, ao contrário "das províncias" (subjacente a isso a influência/interferência das línguas de origem africana). Brincadeiras há muitas, mas o facto de associar logo a cocó o nome de alguém arraigado numa língua que o locutor não domina, sem que em nenhum momento indagasse qual seria o significado na onomástica Bantu, já parece dizer muito sobre o mundo cultural do fino locutor. Neste caso, a julgar pela sua infeliz actuação, locutor de cocó.

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domingo, 18 de maio de 2025

Crónica | VAMOS À LUTA, MANO LAURIANO TCHOIA. MAS COMO?

 Se perguntarem, direi que sim. E com todas as forças. Não mereces  estas linhas que te dirijo,


meu mano Lauriano Tchoia. Não já, tão cedo, tão doridamente, tão ofegante do jeito que partes, do jeito que ficamos. Se perguntarem direi que sim, que me recuso a consentir a cadência do cortejo que no horizonte se desenha, tão dissonante, tão mal-vindo, tão duro. Não era para ser já. Não assim, tão cedo.

 

Que não restem dúvidas. “Isto não é poema / é o meu grito de angústia / Isto não é poema/ é a dor do desconsolo”, com a devida licença ao cântico sofrido dos manos Antero Ekwikwi e o Mito sobre a letra de Chó do Guri, também ela adiantada. “Akulu vetu twakaile lavo vainda pi? Vaya kuSuku KuNzambi”, completaria o nosso mano Ndaka Yowiñi, depositando no mito e no transcendental a impotência de vermos os nossos irem de vez, sem despedida, sem consenso, sem substituto. Ou como diria o nosso povo, “wapesela ka nõlã”, quando sem reparo se faz a dimensão da perda.

 

Mais uma vez, distante da nossa amada Terra me vejo na vocação apunhaladora que nos cerca enquanto humanos, a de juntar uns farrapos de força panegírica que nos restam ante à grandeza de homens e mulheres do teu calibre. Foi assim com a eterna Filomena Maria, carismática locutora da Rádio Benguela, foi assim com Justino Handanga, das maiores referências da sociocultura do teu amado Wambu, acidentalmente Huambo, mano Tchoia. Junto ao manifesto de perdas o cineasta português José Barahona, do filme Naufrágio.

 

Para lá de amigo, o mano mais velho que a sabedoria popular colocou no meu caminho não mais é. A primeira madrugada da semana que hoje começa foi a última da peleja que há dois meses vinha travando no leito do Hospital Militar de Luanda. Fim ingrato para a mana Magda, viúva, e os membros da sua família que mais de perto vivenciaram os ciclos de esperança na sua recuperação. Punge-nos dizê-lo. Não há palavras que consolem a família de sangue. A família da cultura. A família das forças armadas. A família do universo digital. Chorai por nós. Chorai connosco!

 

Fundador do agrupamento musical “Ao Serviço do Povo”, de que fizeram parte Gabriel Tchiema e Raquel Dalomba, nas décadas de 1980, enquanto oficial das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, cronista do já inexistente jornal A Capital e mais esporadicamente do Jornal de Angola, Lauriano Tchoia afirmou-se no sector de microfinanças, tendo passado pela Encib como seu Director-Geral.

 

Resta dizer muito obrigado por toda a tua generosidade, pelo coração maior que tu. “Vamos à luta”, era esta a tua atitude perante a vida. Só que aqui chegados, a lágrima do teu povo pergunta: vamos à luta, sim; mas como, sem ti, ó mano Tchoia?!

 

Gociante Patissa | Lisboa, 18 Maio 2025 | www.angodebates.blogspot.com


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