Perguntaram-me há dias sobre a primeira impressão de Luanda, que acaba de completar 445 anos. Ora, convém esclarecer que me estreei em luandices em Junho de 2001, recebido com eclipse solar e tudo. É a cidade da auto-estima. A cabeça erguida com que passam a cantar os pneus de carrões de última geração é notória no tipo do Starlet a cair de podre. E no trânsito, ninguém ofende mais ou menos a mãe do outro em função da cilindrada do seu motor e logo cada um segue, como diz o outro graças da Deus, a caminho da igreja.
Será a cidade que mais revela o meu lado trapalhão, a exemplo da segunda vez há 18 anos quando vim para o curso de pesquisadores de grupos focais num estudo sobre a disposição dos angolanos em relação às eleições que se cogitavam para dois anos após o fim da guerra.
Fiz o vôo de uma hora e vinte minutos de Benguela a Luanda com a concentração dividida. De um lado o livro cativante que lia, de outro a ânsia do reembolso dos USD 110 que investi na passagem da avioneta. Desembarquei às 9h00 no terminal da Sal com aquela pressão no ouvido e que obriga a apertar as narinas com a ponta dos dedos para desentupir.
Ainda no aeroporto 17 de Setembro, o amigo Florêncio André, da TPA, pede-me para entregar aos estúdios centrais cassetes de vídeo, matéria urgente para o telejornal. Ia negar?! Um favor à comunicação social era investimento no quadro das relações públicas.
Bagagem recolhida, tirei da agenda o contacto que me fora fornecido pelo mestre cabeçudo Zetó José Patrocínio. De um telefone público liguei para o NDI (Instituto Nacional Democrático), ONG americana dirigida por Isabel Emerson. Desculpa, mas deve ser um engano. Não é, venho da parte do projecto Omunga, sou líder da AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade), parceira na Rede Municipal da Criança de Rua do Lobito. Senhor, a reserva está em nome da Sra. Manuela Costa. Pois, estou a substituí-la, o Zetó já tratou disso. Deixa ainda consultar. Um minuto depois: É como disse, não há mesmo como te acolher.
Só me restou comprar o regresso no vôo das11h00. Raiva, frustração e humilhação mesmo povoavam. Não tinha telemóvel nem havia telefones nos escritórios, quanto mais e-mail para tirar satisfações com o mestre. A agravar a aflição, dois companheiros de viagem para quem transferi o favor da TPA não aceitaram e lá regressei com as cassetes pensando nas consequências ao repórter por sabotar o telejornal.
Posto em Benguela, diz-me o Zetó que fora um equívoco do pessoal logístico. Andava estafado da altitude, desmoralizado pelo USD 220 perdidos. O outro vôo sairia às 15h00. Coloquei todas as variáveis da equação na mesa. Contratos com ONG internacionais aquilatavam sempre o CV, um sonho de fundadores de ONG locais para injectar capital e alicerçar parcerias. Por último, o contrato seria de USD 550, pelo que para quem já perdeu, engolir o sapo e encaixar USD 330 era a melhor opção. Às 16h45 recebia as boas-vindas do senhor Domingos, de Land Cruizer, que ajudou a ver a maka da TPA.
Creio que a formação se passou, coincidentemente com a de 2001, no quintal do INAC, ao Kalemba 2. Fiz dupla com o Vadinho Silvério Santos, da Okutiuka, que foi o primeiro a chegar. O aprendizado correu animado, graças também ao sentido dramático e cómico de Augusto Santana, o número dois, ligado à ONG nacional NCC (National Counselling Center) e a algum pessoal das artes cénicas, falo da Nela do grupo Julu.
O senhor Domingos, motorista, na sua generosidade levou-me em dia de folga a passear à sua banda, Viana, a bordo do Corolla bolinha já idoso sem ar condicionado. Foi um choque. Nunca me advertiram tanto na vida contra o risco de sofrer assaltos. LEVANTA O VIDRO! TRANCA A PORTA! CUIDADO!
Gociante Patissa | 28 Janeiro 2021| www.angodebates.blogspot.com
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