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Gosta das palavras e trabalha com elas, mas não é fanfarrão, nem aparece só para dar nas vistas. Por conseguinte, não tem aqueles tiques dos escritores convencidos de uma suposta genialidade que surge, como diria Hegel, por “geração espontânea”: confia na disciplina e no trabalho oficinal, que exercita sempre que pode.
Tem uma voz talhada pelos anos em que fez rádio, uma forma de estar e uma personalidade atendendo a serenidade e, como descobri há dias, com largos e intensos momentos de sentido de humor fino, apurado e surpreendente. Não utiliza a literatura como um meio para atingir um fim inconfesso, obscuro ou politicamente insosso: a literatura é, para ele,qualquer coisa que nos pode transportar para outros lugares ou, quando menos, pode fazer-nos pensar a sério. Produz tanto com regularidade como com uma qualidade digna de realce e acima dos níveis habituais entre muitos dos escritores e intelectuais angolanos. Daniel Gociante Patissa é o seu nome.
Os seus três primeiros livros tiveram géneros literários diferentes: o primeiro foi de poesia, o segundo foi de contos e o terceiro foi uma novela. O escritor tem oito obras publicadas, designadamente, “Consulado do Vazio”(Kat Editora. Benguela, 2008), “A Última Ouvinte”(UEA. Luanda, 2010), “Não Tem Pernas o Tempo” (UEA. Luanda, 2013), “Guardanapo de Papel”(Nós Somos. Vila Nova de Cerveira, 2014), “Fátussengola, O Homem do Rádio Que Espalhava Dúvidas”(Grecima. Luanda, 2014), “O Apito Que Não Se Ouviu”(UEA. Luanda, 2015), “Almas de Porcelana”(Editora Penalux. São Paulo, 2015) e “O Homem Que Plantava Aves”(Editora Penalux. São Paulo, 2015), para além de nove participações em antologias, algumas das quais publicadas em Portugal e em Moçambique.
No entanto, foi na quinta-feira última que o escritor Daniel Gociante Patissa (Benguela, 1978) pela mão de Cíntia Gonçalves conversou com os leitores, na primeira sessão deste ano do programa “Textualidades”, organizado pelo Memorial Dr. António Agostinho Neto (MAAN). Quem não esteve, saiba que perdeu uma boa oportunidade para conhecer melhor a vida do escritor e o transfundo do que está na origem e nas circunstâncias de algumas das suas obras, desde o acto criativo, passando pelas histórias de vida até chegar às voltas da criatividade, das línguas e da imaginação.
Ele é licenciado em Linguística, especialidade de Inglês, pelo Instituto Superior de Ciências da Educação da Universidade Katyavala Bwila. É membro efectivo da União dos Escritores Angolanos e colaborador do Jornal Cultura, da Edições Novembro. Foi distinguido com o Prémio Provincial de Benguela de Cultura e Artes 2012, na categoria de Investigação em Ciências Sociais e Humanas “pelo seu contributo na divulgação da língua local umbundu, na perspectiva das tradições orais, através do conto e das novas tecnologias de Informação e Comunicação” lê-se, na badana do seu último livro.
Na quinta-feira passada, além de ter-nos feito rir fartamente durante a hora e meia que durou a sessão, Gociante Patissa não evitou nem os temas candentes, nem os delicados, e nuns e noutros não caiu em lugares comuns. Quem o lê atentamente dar-se-á muito facilmente conta que a sua relação com a oralidade e com as línguas é mais dinâmica do que a mera tradução de uma para outra, do umbundu ao português.
Quando pouco antes da conversa formal com a Cíntia, entre as poltronas da sala de conferências do Memorial Dr. António Agostinho Neto, numa daquelas cavaqueiras que servem para distender e amenizar os momentos prévios à conversa com o público, ouvimos o Gociante Patissa falar em ética, sem retórica enfadonha nem com tantos malabarismos verbais, mas sim como algo simples e vital que deve estar em tudo que fazemos identificamo-lo como um “dos nossos”.
O escritor faz a ética estar presente tanto na sua escrita como na sua vida, vivida ao calor de experiências em organizações não-governamentais e apoiada numa consistente atitude de cidadão avisado: ele sabe que só haverá uma transformação positiva da literatura angolana actual e a do futuro se o acto criativo, no geral, e a escrita literária, em particular, forem, sobretudo, exercícios de verdade e de sincero comprometimento com os homens daqui, com estes nossos lugares, com a estética no seu sentido mais amplo e com as noções de beleza que inventarmos.
Neste sentido, pelo seu engenho, “O Homem Que Plantava Aves”, o conto que dá título ao seu último livro está, certamente, entre os contos mais interessantes que alguma vez eu tenha lido. Por todas estas razões e outras que, espero, o leitor descobrirá quando o ler recomendo seguir atentamente a obra e o percurso de Gociante Patissa.
Adriano Mixinge
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