É já um cliché dizer-se que a literatura,
como qualquer forma de arte, ganha vida própria. E um dos indicadores é o reconhecimento
público do nosso trabalho, sendo a expressão e a expressividade traços centrais
da criação e da criatividade.
Ladainhas à parte, recebo quase
diariamente elogios de que “o kota é um grande escritor”, elogios acompanhados imediatamente
de pedidos para avaliar textos de jovens (e não só) que aspiram publicar. Um pouco
pior do que isso, pede-se o número de telefone do autor porque se quer tirar
dúvidas mais tarde.
E fico sempre pensar: ora, o autor como
tal é um ser abstracto que não tem número de telefone; quem tem é o cidadão
(utente de preocupações e necessidade de gerir o tempo entre o emprego, a
pesquisa, a família, etc. Já ouvi dizer que o ofício da literatura deveria ser
apenas para pessoas já reformadas/aposentadas, pois conciliar com outras
tarefas de comum mortal não é nada fácil).
Os generosos elogios ao “grande escritor”,
demasiado grandes para a nossa dimensão, expressam admiração geralmente baseada
no que viram ou ouviram dizer na comunicação social sobre a “trajectória”.
Residindo boa parte em Benguela, (ainda) não leram nada sobre o elogiado e
solicitado a avaliar os textos recém-criados, nem fazem questão de assistir às
sessões de lançamento de livros (e já contamos cinco actos desde 2008). Um dos
meus livros (“Fátussengóla, O Homem do Rádio Que Espalhava Dúvidas”, da bolsa
literária estatal “Ler Angola”) foi publicitado durante um ano na TV e custou
apenas 500 Kz (equivalente a três cervejas ou até então à metade do cartão de
recarga telefónica mais barato) nas principais superfícies comerciais. Anda
esgotado.
Há casos em que alguém diz que gostou
muito de ler uma obra nossa. E quando perguntamos o título do livro ou de que
tratava o texto… dá branco na mente. E isto é preocupante. Assim terra-a-terra,
excelência, uma perguntinha: você não está interessado em ler a minha obra, e (só)
eu tenho de arranjar tempo e energias para ler e ajudar a corrigir o seu
trabalho?!
Não sendo a literatura uma arte
performativa, como são a dança, o teatro e a música, então deveria mover o
leitor a dúvida e a curiosidade de folhear e captar a alma criativa, nem sempre
equiparada ao cidadão que dá corpo ao artista. A qualidade da escrita não devia
ser confiada apenas ao selo da comunicação social (não especializada), ao bom
rosto do autor ou à retórica nas entrevistas e debates ou ainda no bom gosto em
vestir.
O que agrada o escritor, sem margem de
errar, é ouvir falar de como um personagem seu vive (a bem ou a mal) na mente
do leitor, é colher um retorno de dentro do livro para a capa, ver desvendadas
as armadilhas da criação literária. De sorte que, pedindo por empréstimo a
premissa bíblica, diríamos que procurai o escritor (na sua obra) e o
encontrareis. Ainda era só isso. Obrigado.
Gociante Patissa
| Benguela, 21 Janeiro 2019 | www.angodebates.blogspot.com
Imagem: blogs ibahia
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