quarta-feira, 13 de julho de 2011

Crónica: Propinas para criança – ilegais na escola, pacíficas na igreja?

A Lei de Bases do Sistema de Educação em Angola estabelece o ensino público primário como gratuito e obrigatório, o que significa no papel que os encargos escolares até 6ª classe ficam por conta do governo, enquanto gestor do Estado.

À lei soma-se o chavão “criança prioridade absoluta”, legitimando campanhas de advocacia, como a que servi de 2001 a 2006, para que se não forcem os encarregados de educação, lá porque “a escola é do povo”. À sociedade civil cabia esclarecer contra cobranças no acto da matrícula, provas ou emissão de documentos. Na prática, o material e a merenda escolares estão longe de responder à demanda, lá onde uma vez chegaram, ao passo que a propina passou a chamar-se “comparticipação”. Na ausência de orçamentos, os directores perguntam, ganharíamos fechando a escola?

Onde há laicidade, as igrejas vivem de ofertas, donativos e contribuições dos fiéis. O que se leva é conforme as possibilidades. No meio rural é normal ofertarem-se produtos agrícolas, sobretudo o milho, ou animais em ocasiões especiais. O foco é ao adulto, sendo que as crianças, só por uma questão de educação cristã, recebem dos pais para oferta bens materiais bastante simbólicos (irrelevantes nas economias do lar). Na cidade é o mesmo, ou devia ser. Mas nem sempre as coisas são como se nos afigura normal, quanto mais não seja pela enorme variedade de igrejas e seitas.

Dois sobrinhos meus, de seis e oito anos, frequentam aulas bíblicas numa igreja perto de casa. O grupo infantil ensaia de segunda à sexta-feira, entre 17:00 - 19:00 horas. A mãe, que professa outra igreja, não colocou objecção, embora não concorde muito com o horário e a doutrina de modo geral. Consola-lhe o facto de ser o mesmo Deus.

Em um mês e meio, são vários os recados e papelinhos “da titia” a pedir dinheiro, cerca de 500 kz por vez. Ora para uniforme (pago e tarda chegar) ora para fogueira santa, e por aí segue. Os pais são funcionários públicos e as contas custeáveis, diga-se, mas optaram por não ceder sempre. Depois, notou-se desinteresse pelo jantar. Afinal é servida na igreja papa de soja, para a inevitável dúvida sobre as condições de higiene da cozinha. Na semana passada, outro pedido, e de novo ignorado, o que levou um dos putos a partilhar a ideia de tirar às escondidas do dinheiro do saldo, entenda-se da venda por consignação de cartões de recarga telefónica.

Os pais tiveram então que decidir: acabou-se com a frequência do grupo da noite, entendida a ideia de “furto” como produto da pressão. Não era bem o que esperavam que os filhos absorvessem em tenra idade. Notada a ausência dos prosélitos, a “titia” foi ter com os pais para contra-argumentar, fazendo-se acompanhar de umas dez crianças. Iniciou por dizer que nunca cobravam dinheiro, para mais tarde afirmar que não era obrigatório para crianças cujos pais não tivessem capacidades. Contradição pura!

Por mim, não voltariam a pôr lá os pés, pois a pressão continua. Meus sobrinhos serão vistos como filhos de pais sem condições para sustentar o direito de pertencer àquele grupo. Não serão felizes, enquanto souberem que tal rótulo não corresponde à verdade.

Gociante Patissa, Benguela 13 Julho 2011
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