segunda-feira, 6 de junho de 2011

"Os momentos de Arnaldo Santos", editorial de José Ribeiro, Director do Jornal de Angola (Edições Novembro)

05 de Junho, 2011:  A editora “Nóssomos” acaba de editar um livro de poesia de Arnaldo Santos - o director do primeiro jornal em que trabalhei - e que inclui poemas datados de 1958 até este ano. Li a obra e tive dois sentimentos contraditórios. O primeiro, um profundo prazer por ler poemas que são grandes peças da Literatura Angolana. Alguns valem só por si toda uma literatura. 


Ao sentimento de prazer por este contacto íntimo com a mais pura arte poética associou-se uma profunda frustração, por verificar que do nosso panorama literário angolano continuam “varridos” os críticos literários, como quem varreu as cinzas do kombaritokué. Olho para o passado e lá atrás, muito longe, vejo o último angolano que fazia crítica literária com assiduidade, conhecimento e profundidade: David Mestre. Ele que se apaixonou pela crítica literária quando foi “internado” no Colégio Nun’Álvares, em Tomar, e aí teve a felicidade de travar conhecimento com a obra crítica de Óscar Lopes e de António José Saraiva, dois intelectuais que o fascismo português afastou do convívio do público mas que David Mestre “recuperou” guiado por um professor de Literatura de vistas largas.

O nosso panorama literário é pobre. Mas isso não é defeito nem sequer uma fatalidade. O jazz também é uma música pobre e iluminou todo o século XX como a única manifestação musical que vai ficar para a História. É pobre a literatura de cordel e paupérrimos os trovadores que de terra em terra mostravam ao povo os caminhos fantásticos da poesia. Catulo da Paixão Cearense está entre os primeiros, com as suas modinhas que são monumentos mundiais à arte poética. Pobre é o teatro de bonifrates, mas António José da Silva, O Judeu, é o expoente de uma dramaturgia ácida, gloriosa, picante, desbragada e que só acabou porque o autor foi queimado na fogueira da Inquisição.
Não temos críticos literários que mostrem aos leitores e sobretudo aos jovens escritores, qual é a diferença entre papel impresso e uma obra literária. Neste momento fazia-nos falta um crítico que nos revelasse a luz da poesia de Arnaldo Santos, no livro “Momentos”, e que a cegueira da nossa ignorância não nos permite ver. Precisavamos de alguém que nos ajudasse a penetrar naquele mundo de arte, por outra via que não seja a espuma e os sentidos ao pé da boca. Mas não há.
Pior estão jovens e menos jovens escritores, que já publicaram mais livros do que aqueles que leram e estão convencidos de que basta dispor palavras no papel para nascer uma obra de arte literária. Esses precisam de uma crítica literária mais competente do que nós. Porque para além de notícias e alguns artigos de opinião, também eu não me atrevo a ir mais longe. Embora me sinta desiludido porque quando abro um livro acabado de ser lançado em “sessões de vendas e autógrafos”, não consigo tropeçar com uma única palavra que encerre arte literária. Se houvesse crítica, esses autores jovens e menos jovens aperfeiçoavam os seus textos, passavam mais tempo na oficina e produziam obra acabada. A leitura de “Momentos” de Arnaldo Santos deu-me uma certeza: temos que avançar rapidamente para a criação de um semanário de arte e cultura, projecto que acalentoamos há mais de três anos, mas que a pressão do quotidiano não nos deixa concretizar. A Edições Novembro vai mesmo avançar com uma publicação cultural. E posso anunciar que a Fundação Sindica Dokolo é nossa parceira neste projecto que, espero, vai dinamizar o panorama artístico e literário angolano. Não pedimos muito, apenas queremos atingir o nível alcançado em meados dos anos 60, quando Carlos Ervedosa, aqui neste jornal, mostrou ao mundo a poética luminosa de Jofre Rocha e João Maria Vilanova. Ou catapultou João Abel para aquele poema “Bom Dia” que ganhou o Prémio Mota Veiga.
 
Mais cedo do que tarde, a Edições Novembro vai lançar no mercado a publicação de artes e cultura. Claro que já estamos a imaginar, numa página nobre, as crónicas de Arnaldo Santos ou um poema inédito que saia da sua pena de mestre. Arnaldo Santos é o único que mantém no alto a crónica angolana e, sem ceder um milímetro ao cansaço, confidenciou-me que está a concluir um romance sobre os grandes momentos da nossa história.
 
Desde já convidamos todos os intelectuais, todos os escritores, todos os críticos, para colaborarem e darem grandeza a este projecto que pode mudar o panorama da Literatura Angolana, para melhor. 
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4 Deixe o seu comentário:

BIA disse...

Vim dar um olá!
E dizer mais uma vez parabéns!

Bjusss

Anónimo disse...

Diferente de tudo que já vi.
Ótimo espaço p/ aprendizado.

Luis Cláudio/Brasil

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Obrigado, Luis Cláudio, volte sempre.

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Bia, minha cara, estás em casa. bjs

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