AGORA – O que é ser escritor num país onde pouco se lê?
Marcolino Moco – Ser escritor, em qualquer lugar do mundo, é criar e e espalhar sonhos, por onde for possível, e apanhe-os quem poder e os misture com seus sonhos.
AGORA – Como vê a produção literária em Angola?
MM – Angola é, essencialmente, produto do sonho de muitos dos seus escritores, sobretudo seus poetas. Por isso, não obstante as adversidades, tem havido uma razoável produtividade literária. A minha preocupação é que esse parto algo promíscuo, mas positivo e pertinente a seu tempo, não seja eternizado com actuais gestos perniciosos de politização e partidarização da criação literária ou de outros géneros artísticos. Exemplifico com a instituição de comités de escritores de um partido ou com a retirada de um prémio literário a um grande poeta, falecido há cerca de 40 anos, atribuído por júri competente, sob a égide de uma instituição governamental, por ordens do partido governante, assentes em critérios descriminatórios atávicos e vergonhosos mesmo, prontamente aceites e executadas por uma intelectual de grande craveira, a exercer funções governativas, como se soube.
AGORA – Fale-nos um pouco sobre “Terra de Sonhos”, como surgiu a ideia inicial para a criação desta obra?
MM – Essencialmente poeta, e um poeta mais de inspiração momentânea, do que de textos laboratorialmente pensados e trabalhados, Domingos Florentino, por longo tempo atrapalhado pelo heterónimo Marcolino Moco, dificilmente regista quando e como lhe vêm as ideias para a criação de seus textos literários. Mas, creio que “Terra de Sonhos” surge naqueles anos, início deste milénio, em que observamos eclipses sucessivos do Sol, em Angola. Amador da astrofísica, imaginei que a aldeia onde nasci e cresci, nasceu súbita e inexplicavelmente, no fim de um eclipse total do Sol. E assim terá surgido “Terra de Sonhos” ou, na minha língua materna,”Vimbo li’olonjoi”, que traduzido literalmente significa “aldeia de sonhos”.
AGORA – Usa algum método para escrever os seus livros? Onde gosta mais de escrever? Começa por inventar as personagens todas e o enquadramento da história ou vai surgindo ao escrever?
MM – Como disse, Domingos Florentino, devido ao facto de usar a mesma cabeça e as mesmas mãos que Marcolino Moco, homem absorvido, anos a fio, em criações de outra natureza, não planifica a sua produção literária. Provavelmente agora, se um maior repouso deste último o permitir, Domingos Florentino tenha tempo para uma produção de maior fôlego e que, ipso facto, tenha necessariamente que planificar o seu trabalho. Não é por acaso que o “Vimbo” é o meu primeiro livro de contos, que quanto à poesia (especialmente aquela que é meramente inspirada) exige sempre um maior fôlego, o que não significa que esteja de acordo com aqueles que pensam que haja uma relação de graduação de qualidade literária que começa na poesia e tem a sua maior dimensão no romance. Pelo contrário, penso mesmo que, em algum sentido, a poesia é o género mais nobre da literatura.
AGORA – Em termos literários como vê o futuro da literatura angolana?
MM – Há um futuro promissor. Se o apoio que é legítimo esperar das instâncias governativas, numa altura em que tudo está em fase da arranque, não for confundido com a instrumentalização político-partidária. Embora a independência na criação literária, como aliás em tudo o que se preze, deva ser uma essencialmente resultante intrínseca da atitude dos seus autores, que assim mais se valorizam e mais valorizam a criação artística.
6.Temos um povo que sofre muito. É possível, através da literatura, reconciliar a cultura popular com a cultura académica?
MM – Não sou concordante que haja, por um lado, uma cultura popular e, por outro, uma cultura académica. Penso que toda a cultura nasce do povo. O povo e a sua actividade quotidiana é o fundamento e substrato da cultura que é manuseada, cada um a seu modo, pelo criador de arte literária ou outra arte qualquer, por um lado, e pelo académico, por outro lado. O sofrimento e outros elementos vivenciados pelo povo misturam-se nesse substrato. Onde quer que nos imaginemos, a cultura e a criação não devem beber apenas do sofrimento do povo, mas também das suas alegrias, esperanças e sonhos. Neste sentido, literatura, (não manipulada) é na verdade, uma reconciliação geral em cada comunidade historicamente dada. Costumo preconizar, e talvez o “Vimbo” seja um pouco a metáfora deste apelo, que o escritor, ou mais amplamente, o intelectual angolano, deve esforçar-se por conhecer melhor a alma angolana, que não se esgota na sua vertente ocidentalizante e modernista, quiçá, aquela que se constitui na locomotiva do progresso, mas que não pode deixar atrás a vertente das comunidades tradicionais, com toda a sua vastidão e riqueza antropológica e cultural. Daí a importância do conhecimento das chamadas “línguas nacionais”, que eu prefiro chamar de “línguas africanas de Angola”, na medida em que o Português é também, e cada vez mais, uma língua angolana. É evidente, que estão fora desta “exigência” os escritores angolanos que, pelo seu talento, assumem uma vocação mais universalista, já que a cultura, e neste sentido, não pode ser vista como confinada a espaços e restrições territoriais.
AGORA – Quem considera o maior crítico angolano?
MM – Não me tenho dado a essas contabilidades, mas, penso que entre muitos, como David Mestre, Jorge Macedo, Lobito Feijó e Akiz Neto, será Luís Kandjimbo o mais prolífero e conhecido crítico literário, pelo menos em vida.
AGORA – O que a Universidade deve a sociedade?
MM – Repetiria o que disse respondendo à questão nº 6 porque, na verdade, a Universidade é uma vertente da cultura e a cultura deve alimentar-se da actividade do povo, sem que isto seja encarado dentro de uma visão xenófoba e rejeitadora dos valores universais, elemento fundamental, como a própria palavra “universidade” o diz. Infelizmente, devido aos reflexos da política assimilacionista do colonialismo português em Angola, cuja inércia não foi estancada no período pós colonial que vivemos, quanto mais nos instruímos, mais nos afastamos da matriz tradicional, com toda a sua riqueza cultural, como já referi. E, assim, a Universidade tem dificuldade de ir a um encontro integral com a sociedade. Daí, sob o meu ponto de vista, estar hoje a sociedade preocupada, com um número cada vez maior de gente que não consegue encontrar a sua própria identidade, com os distúrbios sociais que isso acarreta.
AGORA – Que conselhos daria à nova geração de escritores?
MM – Conhecer a realidade angolana e africana e aproximar-se, sem complexos dos valores universais, através de muita leitura e observação; ler clássicos angolanos e universais e libertar a criatividade.
AGORA – Que lembrança mais tenra teve do contacto com a literatura?
MM – Na minha adolescência, entre muitos autores portugueses, como Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Antero de Quental, Alexandre Herculano e Almeida Garret, li e extasiei-me imenso com Camões, especialmente, o lírico, bem como com o romancista Júlio Dinis. Mais para os tempos da juventude rebelde, deixei-me envolver pelos poetas da libertação: Agostinho Neto, António Jacinto, Viriato da Cruz, Costa Andrade, Jofre Rocha, Mário António, António Cardoso, Léopold Sédar Senghor, etc., romancistas americanos que se liam em inícios dos anos 70 como Irving Wallace ; ultimamente, a descoberta do mundo extraordinário de Shakespeare e muito realismo mágico com Franz Cafka e José Saramago.
AGORA – Existe a ideia de que nem sempre ter talento e escrever bem são as “receitas” para o sucesso, mas as boas relações do escritor no meio literário. Qual a sua opinião sobre isso?
MM – Não conheço a história de hábitos dos escritores ou outros criadores de sucesso. Mas creio que tudo dependerá de muitos factores de ordem objectiva e subjectiva a aliar-se, naturalmente, ao talento. Poderá ter acontecido haver ou ter havido escritores com talento, boas relações e cujas obras nem são conhecidas porque não publicadas ou mal publicitadas. O inverso também pode acontecer. Diz-se, por exemplo, em certos círculos, que o que o escritor brasileiro Paulo Coelho escreve não é literatura, propriamente dita, mas a verdade é que homem vende, vende até não parar, e, com os seus leitores a pensar que estão a consumir uma verdadeira literatura e no sentido mais estrito do termo.
AGORA – Principiantes podem viver apenas da escrita?
MM – Nem principiantes nem veteranos, acredito, podem viver da escrita, pelo menos em Angola. Não acredito que se perguntarem isso a Pepetela, o mais celebrado e bem sucedido romancista angolano, possa dizer o contrário. Escrever é antes de mais, uma realização espiritual do que material.
AGORA – O que acha do sistema de cooperativa, onde vários autores pagam para publicar numa colectânea?
MM - Ideia interessante. Sobretudo se a cooperação não se limitar ao domínio meramente material mas também se estender a questões de superação mútua, no que diz respeito ao domínio do conteúdo produzido.
AGORA – Projectos literários em carteira?
MM – Domingos Florentino vai continuar a produzir poesia e conto, e, amanhã, quem sabe, romance. Tudo depende do tempo que Marcolino Moco, o homem e criador noutras vertentes, lhe deixar a disposição. Não haverá obsessões. Tudo será natural. Já tem próximos títulos em poesia: “Canto Sereno”, “l(í)i-ricos-clamores” e “O mar, as coisas e o nome delas”.
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Muito bem!
Adoro as suas postagens, e esta é uma delas!
Esta é mais uma forma de me manter informado sobre a terra que aprendi a amar. Boa continuação e conheça os meus Blogues em:
www.congulolundo.blogspot.com
www.angolaeseusfilhos.blogspot.com
Felicidades e um Abração
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