quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Reflexões literárias: Livro de poesia (Consulado do vazio) na interpretação de Fridolim Kamolakamwe sob o título «A Desconstrução da Construção para Edificação do pretensamente Desconstruído frásico»

Nota: Caros (ou baratos -  não estamos a falar de preços!) leitores, decidi partilhar a curiosa interpretação que o conteúdo do meu livro de estreia "Consulado do Vazio" suscitou em Fridolim kamolakamwe. Foi-me dada pelo próprio por ocasião do lançamento (em Benguela, a 26/07/08), que ele enriqueceu com a sua forma ímpar de declamar. O texto não é curto mas eu voltaria a lê-lo sempre que pudesse, porque... ora porquê? Bom, porque o sentido polissémico da poesia é uma coisa espectacular, sobretudo quando o leitor cria, imagina eventuais contextos que seriam  a base do surgimento da obra. GP


Tema: «A Desconstrução da Construção para Edificação do pretensamente Desconstruído frásico»
“ The crack in the tea-cup/ Opens a lane / To the land
Of dead”   (A sevícia na xícara de chá, abre uma brecha para terra dos mortos)
Auden Webber (poeta Inglês) século xviii
O ser enquanto “Ontos”, está sujeito aos determinismos inalienáveis da sua natureza circundante, agindo por conseguinte, em função dos quesums e quesaruns inerentes às desinerências ditatoriais de tal realidade aflictiva, ora gravada na matriz iludibriável da sua própria existência;
quesuns  e quesaruns tão ilustres quão cancerígenos como a pobreza herdada, o albinismo inevitável, a negritude, a alienação, o iluminismo, o ocultismo, as seitas secretas, os deuses auto propostos os satanazes invencíveis, os contos de fada, o pai natal,a própria morte não escolhida e a vida jamais aceite por opção; é pois, a partir deste repertório de corruptelas circum-voláteis que o remetem ora à réu ora à juiz de si próprio, onde irá recolher os defraudados retalhos de suas vivências e expectativas, os seus malfadados infernos céus e purgatórios, para formulação de receitas de viveres ou morreres, para construção da sua história ao longo da passagem, pelo efémero jardim da vida.
Que dizer então de um pobre poeta, este pássaro que se surpreende zungueiro de assuntos, á revelia de vontades ilustres e antagonismos republicanos
Que dizer de um pobre poeta nos dias como os de hoje, onde às vezes a sombra é a lamparina do dia, e a lua morde mais que o recolher obrigatório no Iraque…
Que dizer de um pobre poeta cujo seu maior investimento é ele próprio, cujo maior empreendimento é um balão de sonhos que procuram o pavilhão do reconhecimento público, mirando a vida com o nguimbo dos dedos…
Que dizer de um poeta nos dias de hoje, em que o homem é o seu próprio inimigo, e Deus parece cansado de ser Deus, enquanto a TV assume o papel do odjango e das missas dominicais, em que sucumbem pássaros inocentes, no Iraque, em kabul e kandahar, nas minas de carvão na China, nos hospitais na índia! Em que mulheres, chefes de família se prostituem aos olhos de São Pedro, por um kilo de fuba que engane por alguns segundos a teimosia do estômago.
Faço das palavras do autor minhas:
Esta que se aproxima
Carrega uma criança às costas
E outra no ventre
Uma nuvem húmida rasga-lhe a blusa
Lembrando que é hora de parar e amamentar
E lá vai ela seguindo o itinerário que a barriga traçar
Gestora de um ovário condenado a não parar
Porque é património social
Penhora o útero na luta contra a taxa de mortalidade…

The crack in the tea-cup
Opens a lane
To the land
Of dead
Nestes célebres versos do poeta inglês, que criticava assim a atitude da rainha em relação ao tratamento díspar entre os fidalgos, anglo-saxões e a plebe, as massas, e que é hoje o hino de bandeira do grupo de Rap, racionais MC’s no Brasil, quando se levantam contra aquilo a que chamam  política sectarista em relação aos negros e pardos nas terras de Getúlios Vargas e Zumbi dos palmares, não vêm ao acaso chamados para esta reunião de análise, e de introspecção à qual nos convida o autor de “Consulado do Vazio”, aliás diga-se de passagem, um título muito bem conseguido, em cujas entrelinhas subjaz já a formula plurímembre e enunciativa dos elementos sintagmáticos do dizer poético, prenhes de plurisignificâncias incorrigíveis e dos axiomas de que se faz revestir este poemário, repleto de cambiantes líricas e de um platirríneo exercício musical, mesmo quando os versos aparentam suicidar-se no trigésimo andar da inevitável dúvida, que acompanha sempre o carpinteirismo literário;
e no apogeu da sua irreverência orgasmica, propõe vendilhonicamente uma milícia de sonhos que se propõem estradas fardadas de flores brancas, sem o grunhido falsiforme de braços apressados ao sopro fútil e sequaz dos gatilhos, discípulos de vontades alheias.
O poeta, em obediência à um instinto que não precisa de ser cruel para ser fatal, que não carece de ser amoral, para cumprir por inerência do próprio egos faciendi e dos determinismos augustos do lavoro artistico, que não precisa socorrer-se dos socratismos mega impressionistas e dos fanhosos aristotelismos à edificação de falsos pudores e pretensas fénixes renascidas, cumpre uma função específica, peremptória e “desquesumcitória” do subjecto enunciativo, neste imensamente belo e quantas vezes ingrato departamento do dizer, por meio da mímica quantas vezes mal interpretada das palavras, quais delas flores, quais delas cravos, quais delas felizes, quais delas discípulas de amorosas angústias, quais delas perfumadas de ventos cinzentos com rostos de feridas e calendários repletos de datas fúnebres e prédios a cair, quais delas viagras, capazes de atiçar a mais distraída filantropia entre convénios pro-guerra, quais delas capazes de despertar um platonismo aprisionado na comarca dos mais fúnebres silêncios, ou nas sacristias de vontades desconexas, ou de um lancinante beijo á despedida recrudescificando na mente inapta porque enfadada, caravelas de trabalhos negreiros, e esperanças mortas a partida.

“Pinto nestas linhas de poema desarmado
Um marco…do respeito pelos ideais
Que morreram no peito
Sem terem subido à boca
Ou descido às mãos, ou beijado montras”
As montras da vida, onde os homens bebem e deixam-se beber até que a sombra ilumine mais que uma noção de lugar a beira do nada? As montras repletas de mulheres ausentes até da própria ausência, aonde o sacrifício é o padre de uma missa plantada sobre as nádegas de alheios sandinismos nicaraguenses?
Cônscio como no-lo asseguram os frutos de sua ceara, da responsabilidade enunciativa de um carpinteirismo literário apurado, para perfeita construção frásica de um aparatus linguístico suculento, ainda que envolto em oceanos de metáforas e sugerências proso-poéticas, arremessa e arremessa-se a si mesmo num jogo cíclico de transmissão e retransmissão de valores, num exercício permanente de metaforização da palavra poética e de metasistematização da linguagem literária, confundindo a utopia que acompanha os desvarios da mente criativa, com o rigor auto-critico que parece sobressair no seu produto intelectual, como resultado meritório deste esforço de oficina , entretanto, contudo, porém…
“Na orquestra de quem trabalha
Estradas rasgam-se na curva dos seios
Na nudez do arco-íris
A vida é infindável caminhada”
Quem não vê os homens que atravessam diariamente a cruz da vida com o desespero mensal no bolso e o terço envelhecido da esperança, no escritório mais escuro da vontade de partir, nas minas, nas serrações, nas frentes de combate, no Iraque e no Afeganistão! É isso que nos fazem lembrar esses versos cujos laivos de denúncia deixam no palco da memória, a recordação incessante de um mundo que é preciso construir, sem que para isso, o poema se perca em derrapagens fastidiosas até que a poesia morra no desequilíbrio inestético da emoção incontida. Estamos sem dúvidas perante um poeta que dispensa os faustosos debates “euistas “de rádio e as tertúlias de vendilismos líricos, e os joguetes magoativos dos iluminismos compadristas…os requisitos presunçosos da idade, para atingir o clímax do verdadeiro fazer poético…viva, temos um poeta…mais um em Benguela. A intertextualidade quase refractária, quando confrontada com a seiva dos amores propostos pelos antigos, socorrendo-se porém da plurisotopia da linguagem e da plurisignificância dos próprios recursos estilísticos, cria e recria em torno da aura do poeta, um repertório de sentidos que ameaçam já timbrar o nome do enunciante, o subjecto proponente nos anfiteatros da eternidade, para que as unhas do tempo ruminem sobre a escassez dos sentidos, a luz, luz sobre o firmamento das ideias, luz sobre a morbidez dos caminhos de dizer a humanidade de tanto assim, pois claro que não,… a sugerencialidade desditosa das verberas anti-poiesis às quais sabe fugir, com um engenho admirável:
De noite
O corpo exausto cobra pelo descanso
Os olhos carregados enganam as almas
Que adormecem masturbadas…
Mais uma vez és a sentença pela mão do vate inconformado, algures por detrás de um cigarro grávido de quadrigémeos (Norte, sul, este e Oeste) com a cor da lua e da rua e com rosto de crianças que têm idades de velhos e dizem países sem coração, onde o carácter interventivo mas sem ser necessariamente panfletário, canta os homens vergastados de enxada na mão, cujo o cansaço do corpo anda igualmente cansado. És a brecha para lembrar o ensaísta brasileiro Jonas Negalhas “Os poetas são profetas, anunciam eras através da sua arte, são lutadores, usam a poesia como arma de defesa e de ataque” é assim o homem do Consulado do Vazio, onde cada menino de rua pode ser o Cônsul, e o Vazio, o mestre de cerimonia. Uma poiesis prenhe de presentes que já foram passados e se recusam terminantemente a ser futuros seja de quem for, seja em que parte for, para que haja luz no firmamento das ideias, pois
The crack in the tea-cup
Opens a lane to
the land
of dead
Este poeta não reclama, porque quem está já não é, e quem é já não está, este poeta não reclama, as coisas reclamam por si…quando auto demitindo-se dos preconceitos estético-aprisionistas e dos falsos iluminismos retóricos, dos fastidiosos recursos às nugas, ao uso do estribilho e às rimas milimétricas, dá a luz ainda que á cesariana, versos de um calibre lírico tal que alcançam os terraços das erudições mais distantes e cada vez mais raras porque inéditas, dispensando o voluntarismo das palavras kamikazes e o recurso supostamente anestésico às viagens propostas por kiekgaard e Heidger, os ínvios retratos de Dante Alighieri, Giaccomo del vechio, e Giovanni Boccacio, sem recurso aos discursos de destruição maciça, propondo um menu recheado de cambiantes líricas extraordinárias, para que a palavra tenha o seu lugar á mesa de um estar que é comum à monarquia das nossas presenças, repletas de aldeias sem humanidades, grávidas de frígidas irmandades.
“Na esquina do umbigo
Multiplicam-se funerais domésticos
Abortos não reclamados nas estatísticas nacionais
E o amanhã uma promessa ainda…”
Que a presente crítica ao livro de Gociante Patissa, não tenha o efeito do veneno do elogio que muitas vezes projecta o poeta para os antípodas do sucesso, e o faz resvalar no leito da preguiça e da vaidade, mas na orquestra dos seus versos habitam vinhos procurados e nunca revelados aos profetas, pois a inevulgaridade dos mesmos coloca-os desde logo à mercê da procura e dos contusionismos académico literários. Nullas est celeritas qui possit cum annimi celeritate contendere
Estamos em crer, que este autor, jovem por sinal, não passará para os antanhos da história como apenas mais um poeta, candidato á um lugar de destaque, na pendrive do esquecimento nacional, bem haja, e viva 
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Fridolim Kamolakamwe
*Bacharel em Filosofia-Seminário Maior de Cristo Rei, *Estudante do Segundo ano de Técnicas de Tradução-Universidade do rio Grande-Brasil / *Poeta- Declamador, Tradutor
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1 Deixe o seu comentário:

Anónimo disse...

eu adoro as poesia de fridolim! sou teu grande fã!

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