São muitos, às centenas, e a sombra nem sempre acolhe todos. Outros tantos, eufóricos, continuam a chegar. Os organizadores, “veteranos”, aprimoram os últimos detalhes para receber os “quase” estudantes da Universidade Jean Piaget. O arsenal está preparado: baldes de água, farinha, enfim, à propositada sujeira, não há carecas ou penteados que se livrem.
No momento em que arranca a cerimónia oficial, continua o sol, com os dentes de fora, no entanto contornável, bastando franzir a testa. Justificava-se pelo momento. Confesso, não me revejo na “kunga”, mas estava ali, como fotógrafo do amigo Martinho Bangula, a captar o valor emotivo que aquela tarde representava para os que, finalmente, transpuseram a tão difícil barreira do acesso ao ensino universitário.
Qual arquipélago de salas de aulas, o recinto tem no centro um canteiro quadrado (de vegetação preguiçosa). Em cada canto, uma fila prostra-se diante do subgrupo de veteranos que “tratam” da cabeça do caloiro. A maioria é jovem, com todas as previsíveis vaidades, mas, num gesto desarmado, se sujeitam, um a um. Há também adultos, para lá de 45 anos. Alguns não podiam esperar mais pelo momento (curso) ideal, urge retomar os estudos, sacar o canudo… ou ficam ultrapassados pelas circunstâncias e pela concorrência.
Angola não dá muitas oportunidades mas costuma ser chata em exigir diploma à mão. O país por que choramos de agradáveis emoções e vitórias colectivas, volta e meia enfia-se em fato-macaco paradigmático importado da cor da ingratidão… No ensino médio por exemplo, é “crime” ser maior de 15 anos e querer estudar. Esse país não tem o direito de excluir quem, aos olhos míopes do contexto de desenvolvimento, queimou etapas… como se as condições lá sempre estivessem. Vomela wukuene kusikila mo ovilua (Umbundu = não se pode assobiar em boca alheia).
Cada ano é novo começo, uma corrida difícil que costuma deixar “atletas” pelo caminho. Como num matrimónio, nem sempre sobrevive a euforia inicial. A própria propina mensal (USD 250) costuma pesar no bolso de muitos conterrâneos. O transporte é outro handicap.
Quando em 2007 me fartei de estudar Linguística Inglês no ISCED (2º ano), optei pelo curso de Sociologia na UniPiaget, com a mesma euforia dos caloiros deste ano, ou um pouco mais até. Amo a sociologia, a seguir à comunicação social (que por estas paragens não há). Mas, sair do Lobito às seis da manhã, passar o dia a bumbar (Benguela), e pendurar-me na paragem à espera de boleia até quase meia-noite, acabou por ser uma rotina desconfortável. Certa noite, já todo o mundo tinha ido embora, só havia um colega e eu na paragem, ainda por cima de mochilas (era noite sem luar, numa altura em que estava em voga a delinquência juvenil)… a boleia que conseguimos foi uma camioneta que transportava caixas de tomate e cebola para Luanda, cujo motorista parecia estar embriagado, tal era a perigosa condução! A tudo isso, somava-se o risco de não concluirmos o curso dentro dos cinco anos curriculares, pois que os regulamentos (na altura) não previam repetição de provas (quando um trabalhador-estudante arrisca-se sempre a perder provas). Tive de voltar ao ISCED e continuar… um ano perdido, uma lição aprendida.
Apesar de eu ser mau exemplo, no contexto da UniPiaget, reconheço, desejo as maiores venturas aos estudantes e colectivos de trabalhadores! Viva Angola!
Gociante Patissa, 16 Março 2010
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