Há pessoas que trazem sempre à mão um pódio, prontas a ocuparem o lugar mais alto deste quando cruzam com alguém. Uma dessas pessoas é você, sou eu, é ele, ela … de vez em quando. Fosse possível deixarmos de ser humanos (uma vez ou outra), conseguiríamos fazer uma avaliação mais isenta do mundo.
Para alguns é coisa circunstancial, mas para outros é modo de vida. Porque, talvez assim o sintam, o pódio faz jus ao estatuto, seja resultante de posição social, acumulação de riqueza, de poderes (todos eles e mais algum). Há quem tenha o pódio por uma questão de feitio pessoal, se calhar.
Subir ao pódio, entretanto, é mais do que trepar; é voar e automaticamente “evocar todos os sentidos” (para cabular aqui Gastão Cruz)… excepto num determinante ponto. O que geralmente acontece é que ao ocupar o pódio, sentimo-nos mais confortáveis quando de olhos fechados, pois subir implica altura. E dá vertigens qualquer olhar profundo de cima para baixo. Por isso, é habitualmente escusado usar o sentido da visão, inoportuno que é.
Porém, embora não faça falta no momento, a questão é que de olhos fechados não se consegue ver o imenso terreno por desmatar, terreno este, que dá pelo nome de futuro. E muito há que se esconde na sombra do tempo.
Sabes aquela sensação de dar de caras, pela primeira vez volvidos dez anos, com um tipo que um dia teve grande prazer de ser seu carrasco?! Um pouco mais de barba, uma barriga indismentivelmente mais saliente, mas com a mesma cara, o mesmo sobrenome, desta vez porém sem o pódio…
– Fulano?! – saúda ele com o olhar denunciando a insossa surpresa.
– Então, Sicrano, nas calmas?! – respondes, sem saber ao certo o que sentes no momento; era o renascer da dor que te causou, ou a vergonha por nunca te teres esquecido do que se passou?…
– Luanda?
– Não, trabalho aqui também.
Ele retira-se do local (seria vergonha, orgulho?), aparentemente sem coragem de pedir a ajuda que precisa. E tu inicias o teu trabalho, pois é manhã ainda e o horário pertence ao patrão…
És profissional e sabes que ele merecerá o atendimento, se tecnicamente for possível. Mas as horas passam e tecnicamente, confirma-te o chefe, não é possível qualquer excepção. Aí te dás conta que, mais do que homens que um dia partilharam enquanto colegas de serviço o mesmo espaço, dava-se o reencontro das montanhas. “Olomunda ño ovio kavilisangi, omanu valisangasanga”(*). Só que, estranhamente, falta algo que há dez anos era a diferença: o pódio. Não que tenha mudado de lado, é que já não existia (mesmo!) na circunstância.
Ajudem-me por favor a não esquecer que "as pessoas podem esquecer o que você fez, disse, esquecer (quase) tudo, menos a forma como você as trata".
(*) As pessoas sempre se encontram, só as montanhas é que não (máxima Umbundu).
Gociante Patissa, aeroporto da Catumbela, 26 Agosto 2009
Para alguns é coisa circunstancial, mas para outros é modo de vida. Porque, talvez assim o sintam, o pódio faz jus ao estatuto, seja resultante de posição social, acumulação de riqueza, de poderes (todos eles e mais algum). Há quem tenha o pódio por uma questão de feitio pessoal, se calhar.
Subir ao pódio, entretanto, é mais do que trepar; é voar e automaticamente “evocar todos os sentidos” (para cabular aqui Gastão Cruz)… excepto num determinante ponto. O que geralmente acontece é que ao ocupar o pódio, sentimo-nos mais confortáveis quando de olhos fechados, pois subir implica altura. E dá vertigens qualquer olhar profundo de cima para baixo. Por isso, é habitualmente escusado usar o sentido da visão, inoportuno que é.
Porém, embora não faça falta no momento, a questão é que de olhos fechados não se consegue ver o imenso terreno por desmatar, terreno este, que dá pelo nome de futuro. E muito há que se esconde na sombra do tempo.
Sabes aquela sensação de dar de caras, pela primeira vez volvidos dez anos, com um tipo que um dia teve grande prazer de ser seu carrasco?! Um pouco mais de barba, uma barriga indismentivelmente mais saliente, mas com a mesma cara, o mesmo sobrenome, desta vez porém sem o pódio…
– Fulano?! – saúda ele com o olhar denunciando a insossa surpresa.
– Então, Sicrano, nas calmas?! – respondes, sem saber ao certo o que sentes no momento; era o renascer da dor que te causou, ou a vergonha por nunca te teres esquecido do que se passou?…
– Luanda?
– Não, trabalho aqui também.
Ele retira-se do local (seria vergonha, orgulho?), aparentemente sem coragem de pedir a ajuda que precisa. E tu inicias o teu trabalho, pois é manhã ainda e o horário pertence ao patrão…
És profissional e sabes que ele merecerá o atendimento, se tecnicamente for possível. Mas as horas passam e tecnicamente, confirma-te o chefe, não é possível qualquer excepção. Aí te dás conta que, mais do que homens que um dia partilharam enquanto colegas de serviço o mesmo espaço, dava-se o reencontro das montanhas. “Olomunda ño ovio kavilisangi, omanu valisangasanga”(*). Só que, estranhamente, falta algo que há dez anos era a diferença: o pódio. Não que tenha mudado de lado, é que já não existia (mesmo!) na circunstância.
Ajudem-me por favor a não esquecer que "as pessoas podem esquecer o que você fez, disse, esquecer (quase) tudo, menos a forma como você as trata".
(*) As pessoas sempre se encontram, só as montanhas é que não (máxima Umbundu).
Gociante Patissa, aeroporto da Catumbela, 26 Agosto 2009
3 Deixe o seu comentário:
Bela reflexão e recurso à fantástica máxima :)
Ndapandula, Kanu.
Verdade nua e crua. Quantas vezes estamos perante situações análogas, como vítimas ou como vilões?
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