segunda-feira, 19 de maio de 2008

Desabafo meu: Retirem os coveiros do Banco de Urgência do Hospital Central de Benguela, ponham lá enfermeiros sensíveis à dor do próximo

Sábado, 17 de Maio, Benguela festeja o 391º aniversário nesta data (polémica ainda por simbolizar, defendem vários intelectuais, a derrota dos nossos antepassados africanos ante a potência do invasor colonialista português Cerveira Pereira. Vale a pena festejar a vitória do inimigo em nome da história e da força do hábito?), mas isto é questão para outras questões.

Enquanto aguardávamos pelo almoço, em casa da kota Arminda, batíamos o tradicional papo sobre assuntos familiares correntes. 12H20, marcava o relógio, quando fomos alertados que o sobrinho de cinco anos acabava de se ferir no dedo mendinho de uma das mãos. O indicador da gravidade da lesão era a região da unha a baloiçar, presa apenas ao dedo por escassos milímetros de carne. Os restantes dedos perdiam-se na “lagoa” de sangue, que nunca mais parava.

De imediato pegamos na criança e surgia o debate: de um lado um primo, que defendia irmos a um destes postos médicos precários, enquanto eu, preconceituoso talvez, impunha irmos já, já ao Banco de Urgência do Hospital Central de Benguela. Este funciona defronte às instalações do Instituto Médio de Saúde (IMS), ao bairro do Kioxe. E o jovem teve de ceder ou não estivesse a disputar com um “mais velho”.

Tomada pela dor e pelo susto, a criança poluía o sossego do feriado com gritos e lágrimas. “DÓI, NÃO QUERO APANHAR PICA!!!”, ordenava o pequeno Alexandre.

Já no Banco de Urgência, fomos instruídos a entrar, sentar e esperar, porque “a enfermeira já vem”, disseram. Volvidos vinte minutos ou mais, já com o sangue quase a secar para a óbvia insatisfação da mãe da criança, eis que continuávamos aguardando pela (toda poderosa) enfermeira (ou coveira?), que, como reiteravam a empregada de limpeza e a registadora de ocorrências, “daqui a pouco vem”.

Nisto, aparentemente irritado, outro cidadão que aparentava ter 45 anos trocava as quatro paredes do Banco de Urgência pelo canteiro do pátio. Os lábios ensanguentados mostravam ser mais uma vítima de acidente com kupapatas. As nódoas de sangue na camisa confirmavam a leitura apriorística.

Já impacientes e rendidos à dor da criança, abandonamos o Hospital Central em direcção à clínica mais próxima. Esta não fez mais do que desinfectar a ferida com álcool, alegando não ter material para retirar o pedaço que ainda suspendia a unha.

Inicia-se outra correria. Desta vez tive de reconhecer que o primo tinha razão. A opção (não que seja certa, mas pragmática) devia ter sido afinal um posto de saúde precário, a avaliar pelo atendimento eficiente que recebemos, não obstante um senão: também não tinham anestesia, remetendo-nos, por isso, ao Banco do Hospital Central. “Outra vez? Não!!!”, retorquimos dada a experiência com o que já se revelou, de facto, um “Banco de Relaxe”, onde a pressa do doente não encontra sensibilidade profissional. Preferimos a alternativa de comprar anestesia na farmácia mais próxima ao preço de mil Kwanzas, ao que adicionamos 800 Kwanzas do tratamento. E estava feita a parte dos primeiros socorros, da cura se encarregará o “mestre” tempo.

Diante do susto e da fome, só mesmo a ingenuidade típica de criança para nos devolver o humor; questionado pela enfermeira sobre a história do acidente, lá respondeu o rapaz: “eu, como tomei copo de leite, queria treinar, só que o peso escorregou e me entalou na pedra”, explicou.

Perante esse episódio (oxalá não seja frequente) em que no Banco de Urgência do maior hospital da província de Benguela se esbanja mais de meia hora, só podemos referir que o profissional de serviço tem “vocação para coveiro”, onde já não se justifica tanto a pressa no agir. E há que dar razão aos críticos apologistas de que muitas vezes se morre por desleixo dos enfermeiros.

Fica então o pedido deste cidadão no sentido de a gestão hospitalar cortar as asas desta inusitada negligência em Benguela (como deveria ser em qualquer parte do mundo). Será pedir demais?

Gociante Patissa
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2 Deixe o seu comentário:

F. Cangüe disse...

A coisa está feia

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Oi mano, obrigado uma vez mais pela visita. Passei recentemente no seu Blog e deparei-me com o post sobre o mandato de captura do conterraneo Bruno Leite (O homem já transpira nas mãos da polícia, q o foi garimpar no Lubango). Não custou perceber q o kota Kangue é um dos q receberam o e-mail automático do Clube Angola (sinceramente n sei qm me foi lá inscrever). Viva Angola, viva a Paz!

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