sexta-feira, 23 de maio de 2008

Crónica: O que fazer com os sul-africanos nos nossos países???

Benguela, 22/05: Não fazia parte dos meus planos escrever a essa hora (21), que religiosamente reservo para acompanhar o programa “Hora quente da TPA-2” (o qual não gosto mas não perco; bom disso falamos lá mais em frente). Mas quando o vizinho decide usufruir do direito a dar festa de aniversário no quintal, pela segunda vez em menos de um mês, não há sono que se instale ante a “arrogância” do volume da música.

Na verdade nada mais me preocupa nos últimos tempos, depois da luta para “tirar” a minha obra, a não ser a violência xenófoba na África do Sul, que inevitavelmente acompanho através da imprensa. Alega-se que os estrangeiros “roubam” oportunidades de emprego e estabilidade económica dos nacionais, e porque certo zimbabueano terá dito que os locais “não gostam de trabalhar, é só beber”.

Deixem-me já confessar que a África do Sul e o Brasil formam o par de países que nunca gostaria de visitar (de tanto “ver” assaltos a estrangeiros), não obstante a insofismável proximidade histórica à minha Angola. E relativamente ao primeiro, a certeza consolidou-se ainda mais após ao assassinato da proeminente estrela do Reggae, Lucky Dube, a 18 de Outubro de 2007, segundo a polícia, por dois sul-africanos e igual número de moçambicanos. É uma opção subjectiva longe de ignorar o facto de haver criminalidade em qualquer parte do mundo.

Voltando à violência, o mote parece simplório para um “outsider” angolano, figurante numa sociedade em que o estrangeiro lucra sem investir, desde os brasileiros, portugueses aos libaneses, vietnamitas (que acumulam e ostentam fortunas vendendo tudo), para já não falarmos dos “irmãos” chineses, que, não obstante os elevados índices de desemprego por cá, ainda trazem muita mão-de-obra não qualificada. Mas então o angolano é que é “mudo como ovelha”, ou o sul-africano é que é “cabeça quente” demais?
Procuro então (mas custa) compreender o que leva uma franja sociedade (comunidade de nativos) decidir, assim do nada, dar tareia a outra (comunidade de estrangeiros), ignorando a caminhada conjunta nos altos e baixos com os quais se traçam vários parágrafos da história. E sou tentado a reconhecer que não pode ser automático, já que, em tese, organizar tal onda pressupõe “uma liderança” com tempo para mobilizar.

Às vezes recuo no tempo, até 1999, aquando do crime (nunca esclarecido pela polícia portuguesa) que resultou na morte por asfixia de dezenas de angolanos na “Discoteca Luanda” em Lisboa. No furor do caso, odiámos os 500 anos de colonização e usamos camisas com mensagem anti-portugueses, desejando que o nosso governo os escorraçasse… Mas volta e meia praguejávamos a guerra em Angola, sonhando com a fezada de emigrar para a Tuga estudar (impossível para a maioria dos angolanos). Só então entendíamos que não há como viver isolando-se dos outros. E usando da mesma ingenuidade, perguntaria se os “nossos” xenófobos já pensaram na situação dos sul-africanos espalhados pelo mundo?

Estaremos perante um caso de pura intolerância? Ou será o cúmulo da insatisfação face ao desequilíbrio na mobilidade social onde o cidadão nacional “inveja” as facilidades que o estrangeiro esbanja? Para quem não está “lá dentro”, de que lado se deve dirigir a ênfase: à xenofobia (pura e simplesmente) ou à extrema miséria típica de vários países africanos, em que a luta pela libertação não trouxe a “glória” sonhada pelos autóctones que deram o litro para acabar com o domínio do branco carrasco? E perante este conflito social, já que cada pessoa é um universo singular, onde estão então os filósofos para acharem o “porquê” causal e a luz da solução? Quantos mais vão morrer? O que ganharão os braços desta onda de violência num país que, ao que tudo indica, tem dificuldades em se refazer das máculas do Apartheid, regime que musculou a segregação e introduziu o recurso à violência inter-tribal e anti-regime?

O presidente sul-africano, Thabo Mbeki, já autorizou a intervenção do exército, com auxílio das empresas privadas de segurança, no sentido de conterem a violência. Até porque como dizem os manuais, “todo o grupo social dispõe de meios que o sustente. Sem esses mecanismos, os grupos sociais não existiriam, tudo seria uma anarquia geral. O primeiro mecanismo de sustentação é a liderança, que consiste na capacidade de alguém chefiar, comandar ou orientar outros indivíduos (…) As normas e sanções sociais são as formas de grupos sociais orientarem e controlarem as atitudes dos indivíduos (…), que vão desde as vaias e insultos até à prisão do(s) indivíduo(s)”.

E antes que me esqueça, vejo sempre que posso o programa “Hora Quente” do Canal 2 da TPA devido ao desfile de agentes culturais da nossa sociedade, não vendo nada de arte nem de cómico no “estúpido” (cito o próprio) egocêntrico apresentador. Como disse um cidadão britânico aquando de uma passagem (involuntária) pelos bastidores do referido programa, no momento em que iam retocando a maquilhagem, “It’s not his nose that needs attention, it’s his brain” (não é o nariz dele que precisa de atenção, é o próprio cérebro).

Gociante Patissa (foto extraida da Internet)
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3 Deixe o seu comentário:

Kashuna Andre "gifted" disse...

it is burning under my feet but one must remember what brought you to SA.
We should not take the ensue of xenophobe in SA lightly. Angola is heading to the same destine it is not the matter of weather it will happen but when. Hope when it happen the victim will not be the same as usual.
For your reflection “we are the victim ever time we get double trouble ever time”

Anónimo disse...

Hi,"gifted" (sorry I can't keep this feedback in Englih since the majority of my readers are Portuguese speakers).
Permita-me agradecer-lhe pela visita que, não podendo determinar se é a primeira ou não, ao menos é o primeiro comentário, depois do email q me enviou. Quanto ao assunto, limitei-me a oferecer uma crónica, por não dominar a realidade em questão. Volte sempre e continuemos o debate! Gociante Patissa

Anónimo disse...

Patissa grace to you
I hardly comment in English unless it is extremely necessary and when I am sure that the intended person will understand what I wrote. The comment in this article was guided to you and I am sure you can speak English since you have one blog in English, it is not my intention to obliterate anybody if it was that was the case i could have written in Cokwe(tshokwe) just do not want everybody to know my whereabouts.
Well it is not my first visit to your blog maybe it is the first comment in this blog but I left one in the English blog.
see you in lundanorte.blogspot.com
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